Máquina da Preguiça®
O texto é uma máquina preguiçosa [Umberto Eco]
III Sentir-se em casa
Para os lá de casa
A nossa casa pode estar ao virar da esquina, a segundos de distância ou ser inacessível.
Sentirmo-nos em casa é não fazer cerimónia.
É não querer trocar por nada.
É valer sempre a pena.
É estar disponível para abdicar do melhor lugar no sofá. De ver o episódio da série preferida, o programa que não repete, a reposição que não voltará a acontecer.
Andar à vontade. Deixar-se de pose, mas com ar de quem veste milhares. Apesar de roupão e chinelos bastarem.
Contentarmo-nos com pouco e de cara alegre. Se for caso disso, o básico dá, perfeitamente, para as necessidades.
Esconder o comando até à próxima utilização, porque já se sabe o que a casa gasta.
Ficar sem o último copo de sumo e isso não ter importância.
Saber os sítios das coisas.
É ter de esperar pela nossa vez. Resignarmo-nos com a ideia de que mesmo que existissem trinta casas de banho todas estariam ocupadas.
Perceber que alguém vai usar o nosso shampoo.
E a água quente (risos)...
Chegar à praia e verificar que não há toalhas para todos e oferecer a sua.
Sentir-se em casa é toda a gente conhecer os nossos gostos e ninguém os levar a mal.
É ter lugar à mesa.
É não querer sair e ter pressa em voltar.
É não perceber o tempo a passar.
Ter saudades. Muitas. Sempre!
É perdoarem-nos o mau acordar.
É poder dizer que "não está grande coisa".
E ninguém substituir o papel higiénico que acabou.
É ouvir as críticas do costume e os comentários habituais, espantado como se fosse a primeira vez.
É querer defender.
É ter medo de perder.
Preocuparmo-nos com que tudo corra bem.
É estar disposto a...
Querer dar a vida por...
É cuxi cuxi.
Mimo.
É lambuzice.
Estimar.
Ceder.
Errar. E voltar a tentar.
E, acima de tudo, sentir não haver melhor sítio para se estar.
É por tudo isso que tenho a certeza que estou em casa.