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III Quatro estações?

Sábado, 31.03.12

Deve ser a minha índole do contra a pesar, mas embora o nariz ande temeroso do lado de fora dos cobertores, como um periscópio, procurando climas temperados, estava-me mesmo a apetecer uns diazinhos de praia.

Mas, a minha vizinha (sim, eu sei, a vizinha está para a crónica como a morte de um familiar está para a justificação de faltas) que pelas dimensões parece carregar uma Amozónia nas sobrancelhas frondosas, já me disse para eu não fazer muita conta com isso. «Está-se mesmo a ver que o tempo vai mudar», prognosticou em tom apocalíptico de Nostradamus (ainda vou a tempo de pedir desculpa pela falta de originalidade?). «A chuva faz muita falta. É de ouro», acrescentou. Por ela as reservas do Banco de Portugal aumentavam a pingos grossos de chuva. De qualquer maneira, acertou no vaticínio. Por mim fazia-a governadora do Banco de Portugal. Mal não havia de fazer!

O tempo que lhe sobra de se dedicar ao marido que está no seguro devido a um acidente que envolveu um condutor (ainda a monte) que sobrepôs o ego ao código da estrada (confundindo as prioridades) e aos dois filhos (diferentes embora o método usado tenha sido o mesmo) permite-lhe pensar nessas coisas. Confio.

   A minha amiga Martha Stewart (a minha vizinha) acha que «isto nunca mais ficou igual desde que os americanos foram à lua». Como se os astronautas tivessem tocado em algo que não deviam, carregando no botão de um comando qualquer e agora toda a gente só apanhasse o segundo canal. Embora a gravidade (que os astronautas sentem de maneira diferente) em si não a atraia para o centro da terra mas para cima, subindo corpo acima a partir dumas pernas magras até atingir um tronco largo de sequóia com mil e quinhentos anos.

Devido ao seu cuidado já me precavi. Tudo me leva a acreditar que sabe do que fala. Não sem antes, num ataque de fúria me ir aos desodorizantes (não me esqueço do buraco do ozono) e os atirar borda-fora, culpando-os pelo estado das coisas.

   No que respeita ao tempo já nem a chegada das andorinhas confirma o início da primavera, nem as gaivotas em terra são, obrigatoriamente, sinal de água. Em termos meteorológicos até os bichos nos trocam as voltas. Só as articulações vão dando algumas garantias.

    Em relação à natureza do tempo, a única coisa que não mudou foi continuar a ser um óptimo desbloqueador de conversa.

Graças às mudanças, são as calotas a derreter, as matas a arder (a minha vizinha diz, com as sobrancelhas em sobressalto, que já nem deve haver muito para arder). E há a seca. As albufeiras a não sei quanto da capacidade. E nada está como dantes no quartel de Abrantes. «Vamos pagar isto tudo bem caro», diz a minha vizinha, não perdoando aos astronautas americanos. Especialmente quando me ouve a desejar calor fora de época. Como se quem gostasse dele fosse uma espécie de adorador do sol, inconsciente. Mas não ela, que não gosta de temperaturas anormais para a época. Logo ela que até prefere ficar no borralho, de pantufinha calçada, cuidando do marido atropelado e tisana aquecida a ouvir a chuva a bater na vidraça (no tempo dela). E, claro, a sorver o cheiro a terra molhada que é coisa que para ela é um regalo.

E a gente começa a sentir-se mal quando a escuta. Olhamos para a esplanada e solidários não queremos pertencer a um movimento contra-natura dos que aproveitam calores fora-de-época à sombra (numa altura em que ela não devia fazer falta) retemperando-nos à base de refrescos de cevada. Pelos vistos os remorsos até os tremoços atacam, porque nos começam a saber mal. E repetimos como um mantra «isto não é tempo para a época, isto não é tempo para a época». E fugimos da provocação climatérica quando já se fazia horas de um gin tónico. Cabisbaixos. Envergonhados por estarmos a beneficiar do buraco do ozono. Caminhamos para casa, enregelados a cada passada e preparados para um cacau quente que noutro tempo ainda vinha mesmo a calhar nesta altura, porque durante a noite sempre arrefece.

Para compensar abrimos o frigorífico e tiramos uma peça de fruta, produzida em estufa, que só deveria aparecer dali a dez meses. E lembramo-nos da vizinha vaticinando: «no tempo ninguém manda». E arrependidos, sentimo-nos burgueses sem preocupações ecológicas. Ricos desejando verão de inverno para a nossa Riviera. E ficamos satisfeitos com essa evidência. Achando que nem com o tempo se pode contar.

    Em relação aos meus diazinhos de praia, nada feito. Paciência! Por mim as sobrancelhas da minha vizinha têm garantido um aguaceiro. Não há cá sol na eira e chuva no nabal.

   Infelizmente não estão previstos lançamentos espaciais para os próximos meses. Sempre podia mudar alguma coisa. Pelo sim pelo não começamos em contagem decrescente, como se estivesse em Cabo Canaveral: 10, 9,8, 7… de tolha de praia, pronta, na mão.

 

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publicado por Carlos M. J. Alves às 15:04

III F*ck The Dandy Warhols

Sexta-feira, 30.03.12

Para os meus amigos e, em especial, para o Celso que conseguiu imaginar a minha Máquina da Preguiça, sem ser preciso grandes explicações (aquele desenho magnífico no topo da página). It takes one to know one.

 

 

Ao quarto álbum de estúdio os Dandy Warhols saíram-se com We used to be friends. Para sempre lhes ficarei agradecido por Bohemian like you mas, em relação a amizade, sou mais Friends will be friends.

    Os nossos amigos são sempre bonitos. São sempre inteligentes. São perfeitos. Como os sonhos em que nunca se morre.

Dissipam-nos as dúvidas. Aconselham-nos. Estão lá. Ou cá. Onde for preciso. Sem eles o mundo era um sítio pior.

Para um amigo tudo nos assenta na perfeição. Tudo nos cai bem. E quando isso não acontece, compreende. Não vê mal.

Um amigo tem honras de veto presidencial. Tem poder de absolvição papal. Convence-nos. Vê as coisas melhor do que nós.

Podemos aparecer-lhe chorosos, com as tripas na mão. Armados em mariquinhas-pés-de-salsa, que ainda assim...

Com desejos de grávida.

    Penso que sabem do que estou a falar. Não são precisas grandes considerações. Os amigos são iguais em todo lado.

Obrigado aos meus. Os melhores.

 

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publicado por Carlos M. J. Alves às 14:53

III Perdido na biblioteca

Quarta-feira, 28.03.12

Uma biblioteca é uma coisa séria. Uma responsabilidade. Invejo a coragem dos que cedem o seu espólio. Mas por alguma razão o fazem, habitualmente, após a morte. Embaraço?

Uma biblioteca é exigente. Em espaço. Em atenção. Em recursos.

A nossa biblioteca define-nos. Cresce connosco. Tremo só de pensar nisso. Se me tentarem perceber por intermédio da minha biblioteca arrisco a esquizofrenia. Ou pior. Já vejo o colete-de-forças. A seringa pronta a sedar-me.

    Um bibliófilo nunca tem livros suficientes. E isso paga-se - em todos os sentidos – nomeadamente nas assolhadas. É uma obsessão. Uma impossibilidade. Um bibliófilo que entra numa livraria é alguém que se põe a jeito. Está a pedi-las. É como se entrássemos num orfanato tipo Cedars House Rules, repleto de crianças (que nos observam com olhar condoído) e que é impossível não adoptar.

Em relação a outras dependências tem a vantagem de os sítios onde se adquirem os livros serem mais agradáveis e legais. E só essa.

    Quando mudamos de casa pomos mãos à obra (e à cabeça) para iniciar uma nova organização. A oportunidade perfeita. Encontraremos qualquer obra em menos tempo do que a menina do Continente chega à caixa cinco para interpretar o código de barras. Mas, antes dessa fase, chegamos à conclusão, quando estamos a encaixotar os livros, que uma biblioteca é feita de intocáveis e incontornáveis, mas também de más opções. Enquanto carregamos aquela edição, que na altura parecia imprescindível, essa é a gota de água que faltava para transbordarmos o copo da ilusão e ficarmos com a nítida e grave impressão de que ao longo dos anos andámos perdidos no trânsito (bibliográfico) decidindo-nos por alguns atalhos que se demonstraram becos sem saída. Ou cortámos à direita em vez da esquerda.

    Mais carregamos e melhor percebemos que há, também, os interesses que nunca o chegaram a ser ou que hibernaram. Mas que deixaram vestígios: mais livros. A aquariofilia que nunca ultrapassou o patamar compra na Amazon livro de bolso.

E os guilty pleasures. Que nos pesam na consciência. Nos atacam o orgulho. Nos fazem, duvidar do nosso bom gosto. Levando-nos ao questionamento do nosso “eu” literário. A que renunciamos e fingimos que não conhecemos, tratando-o como um “tu”. Aquele título que arrisca a trivialidade. Aquele nome associado a um género menor. Como sucede com o wrestling em que está lá quase tudo, mas no fim sabemos que não passa de show off. Envergonhados. Só que é tarde demais: já comprámos.

    Tenho a meu favor que a minha distração generalizada faz com que não encontre as chaves dentro do bolso. Porque havia de ser diferente com os livros? Preciso de um fio de Ariadne para encontrar o caminho de volta.

Ora, Ariadne ou Ariadna, filha de Minos, rei de Creta… mitologia grega, portanto, estamos a falar da prateleira?

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publicado por Carlos M. J. Alves às 11:49

III Sem comentários

Terça-feira, 27.03.12

[Manual de sobrevivência para comentadores banais]

 

 

Existem de todos os tipos e origens. Habilitados, desabilitados. Experientes. À experiência.

Com prosápia gourmet, qualidade Beluga. Em aparato popularucho francesinha.

Rápido e desenvolto ou mancando na observação final.

Adivinhou quem disse comentador e, também, aceitamos quem falou em crítico.

É uma espécie de queixinhas. O preferido da professora. Um bufo.

Um Rottweiller assanhado. Esfaimado. Sem as vacinas em dia. Fazedor de vítimas.

Achtung! Uma distração e induz em erro. Achtung! Uma hesitação e convence. Achtung!

    Cada português tem per capita omnipresente no seu quotidiano media, pelo menos, um Marcelo Rebelo de Sousa, um António Vitorino e um Miguel Sousa Tavares em regime on demand basta mudar de canal.

All the opinion makers where do they all come from?, poderiam questionar os Beatles.

Mudar de vida pode ser uma possibilidade. O "ex" é um caldeirão borbulhante de poção mágica de onde brotam Obelixes para o último reduto luso da resistência analítica.

O ex-desportista. O ex-árbitro. O ex-político. A ex-vedeta.

Em Portugal a inactividade leva inevitavelmente à facilidade no rescaldo. À filigrana interpretativa. O Mr. Magoo da arbitragem transforma-se num Pierre Luigi Colina da exegese dos lances da jornada. O ministro demissionário um D. Quixote dizimador de moinhos da política opressiva. O compositor inexistente em avaliador de obra alheia. O caga-tacos faz-se tomba gigantes.

O Reboot profissional põe a zeros as fragilidades. Emancipa potencialidades. Um batptismo retemperador nas águas do rio Jordão do painel televisivo inocenta vícios e desperta qualidades inexistentes.

    Na maioria dos casos, em relação aos comentários/críticas A.K.A bitaite ou chorrilho a melhor posição a adoptar seria, por parte dos dissiminadores:

    a) retenção na fonte;

    b) mocinha recatada e prendada resguardada dos olhares alheios.

I wish. Comentadores não os leva o vento. O comentador (a soldo ou sem facturação) é um cidadão viajado com passaporte pronto e em ordem, com visto assegurado para circular, low cost, livremente pelo espaço sideral da galáxia opinativa. 

Como se trata de um território habitado por monstros ferozes (os outros críticos) e perigos imensos (as donzelas enxovalhadas) todas as cautelas são poucas. A beira do precipício algures entre a preferência e a inimizade de estimação em que se encontra a análise leva o comentador a ter que se precaver.

Ficam alguns conselhos.

A apetência do comentador em mergulhar em auto-deslumbre narcisicamente nas águas atraído pelo(a) seu/sua reflexo(ão) é arriscada. Em caso de queda às águas como fazer uma boia? Caro comentador, dispa as calças, dê um nó em cada uma das pernas. Atire-as ao ar de forma a enchê-las. Amarre o cinto no cós das calças. Voilá!

Outra situação. Em caso de partilha de espaço com um crocodilo o comentador deve correr aos ziguezagues. Pressionar o pescoço do animal e tapar-lhe os olhos caso cheguem a vias de facto.

Etc, etc.

    Moral da história: devido aos comentadores há uma situação em que aprecio (e prefiro) verdadeiramente os políticos. Quando dizem: NÃO COMENTO.      

Achtung Baby.

 

 

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publicado por Carlos M. J. Alves às 19:07

III A orelha de Van Gogh

Segunda-feira, 26.03.12

Nascemos todos com vontade de amar. Ser amado é secundário.

Prejudica o amor que muitas vezes o antecede.

 

Miguel Esteves Cardoso, O Amor é Fodido, Assírio & Alvim, 1994.

 

 

Ele diz para ela: «É só um beijo». «Não», responde ela. «Este é diferente», acrescenta. E ele de coração despedaçado desiste e volta para o recreio cheio de nódoas negras. Do primeiro amor não correspondido. Sem Hirudoid para as curar.

   O cínico dirá que a única razão porque nos lembramos do primeiro beijo é porque não foi grande coisa. Mas se há coisa que Miguel Esteves Cardoso (MEC) nos ensinou é que O Amor é fodido. O que é muito mais convincente (pelo menos para mim) do que dizer que «é fogo que arde sem se ver». Talvez essa fosse uma abordagem interessante na época de Camões, mas os tempos são outros.

  Há dias em que temos o nosso quê de Mick Jagger orgulhosamente reconhecendo I’m Lucky at Love, mas na maioria dos casos e dos dias andamos macambuziamente Morrissey, ensimesmados, em pose Last night I dreamt that somebody loved me. É assim o amor.

Leva-nos à loucura. Em cada um de nós passa a haver um Van Gogh disposto a cortar uma orelha.

Alucina-nos. Tem sintomas de quem toma metanfetaminas.

Segundo o poeta, inspira cartas ridículas.

Exageradas, pungentes, apaixonadas. Quem não as escreveu?

Dá-nos vontades. Ânsias. Se se proporcionasse adoptávamos Oliver Twist.

Embaraça-nos. Por ciúme leva-nos a atitudes make my day punk. Irreflectidas. Arriscadas.

É fruto de uma vocação ancestral de procurar a outra metade. Gémeos frustrados. O meu reino por uma alma gémea.

É um murro no estômago. Um pontapé nos… Percebem, certo?

   It´s a dirty job but somebody got to do it.

Tem poderes alquímicos. Transforma sapos em príncipes.

Vende melhor do que pãezinhos quentes. Mas, sai caro. Não é uma pechincha baratucha do eBay.

Acerca dele como em relação ao que importa só sabemos que nada sabemos.

   E, anos mais tarde, mais experientes, percebemos que ela tinha razão, era um beijo diferente. Era o primeiro.

   É isso o amor. Fodido. Os anos passam, mas…

Quem não aprendeu foi porque não quis. No hope, no harm Just another false alarm, comentaria Morrissey com os The Smiths.

Obrigado MEC pela lição.

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publicado por Carlos M. J. Alves às 15:42

III A Máquina da Preguiça

Domingo, 25.03.12

Greed is good. Sex is easy. Youth is forever.

 Bret Easton Ellis, The Informers

 

Partamos do pressuposto que o pecado é uma realidade. Uma certeza como os vampiros de Stephenie Meyer em Twlight e nas séries da FOX. Podemos dizer em relação a eles que: a ira nos estrangula a tensão arterial, a inveja nos vai secando, o orgulho isola-nos, a gula ataca-nos o colesterol e diabetes, a avareza corrói-nos. Mas a preguiça… a preguiça é o menor dos pecados. Inteiramente desculpável.

Semi-opcional. Podemos dizer: «hoje não me apetece fazer nada» e ser admissível. Uma fase. Uma anomalia. Temporária. Disfarçável. Um hobby (uma preguiça com objectivos) serve perfeitamente para procrastinar e faculta uma desculpa para não nos dedicarmos a coisas mais importantes.

    Orgulho, luxúria, gula… possuem seriedade e respeitabilidade superiores.

   A maior ameaça ao pecado para além da moderação é a idade. Com ela limitam-se as opções. Percebemos que estamos velhos quando começamos a ficar preguiçosos. O que nos resta.

   Num mundo de empreendedores a preguiça é um luxo. Tirando isso… não se pode comparar com a gula, por exemplo. Ter dificuldade em levantar-se não se compara com merendar quatro tobleron gigantescos sem intervalo e ficar com uma fraqueza. Não se pode equiparar a luxúria à balda a uma aula ao tempo terminal ou de um trabalho de casa.

   A preguiça é o mais maneirinho dos pecados. Não compromete. À partida pode nem implicar terceiros. Não prejudica ninguém a não ser o próprio. A preguiça devia ser considerada um não-pecado. Uma escusa à virtude, na melhor das hipóteses. A preguiça liberta-nos do hedonismo. Mais vale sermos virtuosos. Somos um Dexter domesticado. Um tareco à trela e a Whiskas.

   Um pecado exige soberba. Menos que isso é nada. Não existe a não ser noutra dimensão (na Twilight Zone e com a condescendência de Rod Serling).

   A preguiça tem uma característica amigável, pacífica, não algo de que se foge como o diabo da cruz. Como a ira que nos recruta para a hipertensão.

  A preguiça repousa-nos. Amansa-nos. Poderemos imaginar-nos lobos, mas não ultrapassamos o cordeiro manso. Não acrescenta peso (ou menos do que a gula), nem ritmo cardíaco. O único risco em relação aos preguiçosos é o de morrer à sede. Mas isso é um mal menor.

É o único pecado que nos dilata a longevidade. O preguiçoso não se apoquenta. Não se esforça. Não cai em exageros. Com a preguiça fica-se Zen.

Com a preguiça vamos ao tapete. Dispensa testosterona. Até porque pode ser, somente, um mandriar.

Só exige paciência. De Job.

É o mais burguês dos pecados. Uma chatice.

     Salvé dias de luxúria. Ó desejada vaidade. Abnegai-vos na ira. Sede servis com o orgulho.

Devemos desconfiar dos preguiçosos e admirar os glutões. Venerar os que passam a vida irados e envoltos em vaidade. Os que vivem para a luxúria.

    Era o que eu faria se não fosse a idade. Mas, não vale a pena propormo-nos correr a maratona quando só nos resta pernas para 100 metros. Não se pode aspirar a actividades radicais quando só conseguimos estar à altura dos jogos de tabuleiro. Que é como quem diz: temos os olhos postos na luxúria mas, a partir de certa altura, sobeja-nos a preguiça. Sonhamos com os prazeres da carne mas não vamos além de um acordar domingueiro, sonolento e espreguiçado de braços abertos, de par em par, como cristo redentor: preguiçosamente. Os demais pecados são para os mais novos. Passa a ser uma questão de saúde e não teológica. Os dias de luxúria e gula são uma saudade. O que continua em vontade falta-nos em corpo. Por falhas várias na manutenção. Ninguém pode ser glutão se tem problemas com açúcares e gorduras. Apesar de ser um descafeinado vale-nos a preguiça.

E se houver uma máquina…

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publicado por Carlos M. J. Alves às 17:52

III É a política estúpido

Sábado, 24.03.12

Durante anos assisti com assiduidade de telenovela a ER (Serviço de Urgência), incluindo dramas e personagens na minha vida. Um misto de exemplo e heroísmo anónimo e abnegado. Salvamentos on the edge.

Preciso da minha dose regular e catártica de life-changing experiences. Desalojando-me do sedentarismo (emocional, profissional). Expulsando-me da comfort zone. Que me leve a um quando for grande quero ser assim ou, no caso, ainda vou a tempo de fazer algo semelhante. Do tipo No Turning Back (BBC one 2010), Portugueses pelo Mundo (sou dos que ficou) ou os projectos made by Laurinda Alves: Portugueses sem Fronteiras ou, mais recentemente, Feitos em Portugal (em exibição ao fim-de-semana na RTP2). São modelos/modos de vida preenchida (celebrando um êxito não obrigatoriamente económico). Currículos ricos. Almas empreendedoras. Fazem mais pela moral do país (em concreto a minha) do que qualquer discurso político. Acentuam um certo gosto em ser português. De que é exemplo o primeiro episódio de Feitos em Portugal com Camilo Rebelo (arquitecto co-autor do Museu de Arte e Arqueologia do Vale do Côa) e o segundo com João Catarino (Ar.co e Urban Sketchers), que tem presença nos links (ali ao lado) da Máquina da Preguiça, para facilitar/incentivar as visitas.

    Os programas de Laurinda Alves (já era – ou também era - assim na XIS) vão como o seu blog ao que importa: a substância da vida. O humano que anda esquecido em nós (não vou voltar a falar de ER, Dr. Mark Greene, enfermeira Abby Lockhart...).

    A política portuguesa é a política do gasto incontrolável. Despesismo, despesismo, despesismo. Esfregando-nos na cara o aquém da meta. Da pobreza do PIB. Do défice galopante. Do irremediável. Do inevitável. Da natureza antiga: «Há, na parte mais ocidental da Ibéria, um povo muito estranho que não se governa nem se deixa governar!» (frase escrita por Galba um general romano acerca do que eramos, ainda em génese, sob a forma de lusitanos).

    A política portuguesa é da parceria mal sucedida e indemnizada (em excesso). Da falência (também em excesso). Não encontro aí motivação. Tento percebê-la, mas há algo que me escapa. Fala-se demasiado em corrupção, desvio, etc. Nessas alturas repito para mim: É a política estúpido. Mas nem assim. E como paliativo tipo Just one more fix ligo para a RTP2. Pronto para ver salvar o mundo. Dr. John Carter.

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publicado por Carlos M. J. Alves às 15:50

III Lembra-se de Laura Palmer?

Sexta-feira, 23.03.12
 

 

 

Longe vão os dias de Twin Peaks. Kyle MacLachlan já não é o agente do FBI Dale Cooper e passou a ser membro do clube das Desperate Housewives (ABC). Embora musicalmente celebrada (a banda Bastille dedicou-lhe uma música com o seu nome), já ninguém chora a morte de Laura Palmer. O luto terminou. Falling into the night. Como inspira(va) a banda sonora da sua epopeia. A vida continua.

    Com o passar dos anos, lançado com o sucesso comercial de Elephant Man (1980), David Lynch, que a criou (com a ajuda de Mark Frost), passou por Mulholland Drive (2001). Tirou fotografias. Fez exposições. Andou pela internet. Abriu um espaço (surrealista?) em Paris (Silencio).

O senhor dos cabelos grisalhos que se sente (não sou só eu que acho!?) em Born to Die de Lana Del Rey (ver post Irmã Lana (Del Rey) abaixo), parece esquecido do fenómeno de culto Eraserhead (1977) ou isso já não lhe interessa. Ficou para trás conjuntamente com o aclamado Blue Velvet (1986). Pelo meio constam Wild at Heart (1990), Lost Highway (1997), o family movie The Straight Story (1999) e Inland Empire (2006).

E ainda arranjou tempo para a música, para lá do que se lhe conhecia da colaboração inspirada com Angelo Badalamenti (quem não se lembra da androgenia de Julee Cruise?) e do flirt musical de 1977 em Eraserhead.

Da maturidade dos seus 64 anos, a solo (embora conte como convidada especial com Karen O, vocalista da banda Yeah Yeah Yeahs, em Pinky’s Dream), temos agora (2011) para audição Crazy Clown Time.

Como em relação aos filmes do norte-americano, primeiro estranha-se e depois entranha-se.

Quando se justifica, Lynch, sussurra como quem é Leonard Cohen. Fá-lo em Stone’s Gone Up. Espacial. Atmosférico em Movin’ On. No geral, como quem diz, pede ou, simplesmente, exige como antigamente: Fire Walk With Me.

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publicado por Carlos M. J. Alves às 16:17

III Smoke on the Water

Quinta-feira, 22.03.12

Do conhecimento que tenho (felizmente indirecto) o divórcio litigioso é sempre desagradável. Especialmente se parte de uma relação inseparável. Duradoura. Ando a pensar num. Quero acabar com o tabaco. Ando Freddie Mercury em ritmo I want to break free. Quero deixar de fumar, mas a separação tem sido tempestuosa. Litigiosa.

      Sem nicotina oscilo, maníaco-depressivamente, entre a Madre Teresa e Howard Stern. Somewhere in between. Na minha cabeça ecoa um Varése em centrifugação. Só por isso, eu e todos os que estão na minha situação deviam ver alguns crimes permitidos.

   Deixar de fumar tem-me feito tanto sentido como um “bué” descontextualizado dito para parecer moderno.

      Ando perdido na parte do começar. Tem sido um longo começo.

Arranjar razões é o mais fácil. Caço lições num safari organizado por Pedro Rolo Duarte em Fumo (deixar de fumar é lixado) e mais 80 lições que eu vivi, edição Oficina do Livro de 2007. Procuro conselhos e dicas. Alinho em adesivos e pastilhas.

      Falta-me a motivação. Sou um Sputnik obsoleto e em queda. A multidão adepta da equipa adversária rejubila e grita “óles!” ante a minha incapacidade em não sair fintado.

Guarda para amanhã o que não acabarás por fazer hoje, bem podia ser o meu lema. O espelho da minha incapacidade. Uma criança pouco tentada pelas guloseimas de prémio.

      Não quero gastar dinheiro com tabaco. Sentir-lhe o cheiro (em mim e à minha volta). Não quero sentir-me asfixiado ao subir o último degrau. Eternamente cansado. Nem ouvir «Pai quando é que deixas de fumar?». Acabar com a minha tosse profunda, competindo, cavernosa, com o eco das grutas de Mira de Aire.

Quero assinalar o quadradinho do não fumador. Estar no café sem o cinzeiro à frente. Não entrar num estabelecimento e procurar, como quem está em Wimbledon assistindo atento bola cá bola lá à final, com o público antecipando o Match-point, até encontrar a zona de fumadores. Quero aparecer cedo para a caminhada. Não precisar de um cigarro para o stress, para entreter as mãos, para o tédio, para ajudar a passar o tempo, para acompanhar o café. Quero mudar de hábitos. Um cigarro a menos, uma passada firme. Outro cigarro a menos e o carro a cheirar a alfazema. Outro a menos pelos dedos não amarelecidos. Outro pela ilusão da roupa acabar de vir da loja a cheirar ao perfume da lojista. Tenho maços de anos para compensar. Anseio por verificar que consigo viver com isso. Melhor.

     Quero deixar de fumar. É um longo começo e eu, ainda, só dei os primeiros passos.

Quero ser forte. Um Hércules anti-tabágico. Um Popeye determinado de músculos poderosos. Continuam a faltar-me os espinafres adequados.

Sonho com um estádio cantando em uníssono We are the champions, em minha honra, embalados pela minha vitória esforçada.

Todavia, a equipa adversária continua a vencer. Ainda oiço os “olés!”. Continuo a ser implacavelmente fintado. Em constante fora-de-jogo. Another one bites the dust.

     Há sempre mais uma desculpa. Para mais eu nem sequer gosto dos Queen (true story). Sou mais Smoke on the water.

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publicado por Carlos M. J. Alves às 17:11


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