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III Faz-te uma mulher

Terça-feira, 26.11.13

Há uma polémica antiga, com contornos de discussão de Orçamento Geral de Estado a propósito de homens e mulheres. Em forma de regra em que o homem está para o tira-cápsulas e para o comando como a mulher está para X.
Injustiças? Sim.

Acusações? Muitas. E de ambos os lados:
O homem arruma e a mulher muda de sítio.
O homem amadurece e a mulher enruga.
O homem estaciona e a mulher esforça-se.
Problemas de interpretação? Alguns:
O homem enerva-se e a mulher anseia.
O homem distrai-se e a mulher fica contemplativa.
O homem diz palavrões e a mulher verbaliza.
   Talvez por isso em relação às mulheres avançamos por instinto, com vontade de promessa eleitoral, mas em órbita de colisão, num trajecto mortal repleto de lombas e curvas perigosas por assinalar.
   O íntimo de uma mulher permanece uma incógnita. Uma parte recôndita e desconhecida acerca da qual supomos, arriscamos, erramos e tentamos outra vez.
O nosso entendimento fica aquém. Disfarçamos, mas continuamos perdidos, desorientados. Presos a devaneios e agarrados como náufragos a equívocos. O que sabemos não chega para as necessidades. Uma balança comercial risível.
Andamos com ar entendido a angariar informações, aproximando-nos de um conhecimento indirecto e feito de suspeitas, ses e mas.
   No entanto, achar que se compreende uma mulher é um equívoco, porque em relação às mulheres não se sabe, presume-se.
São mais as dúvidas do que as certezas. As azias do que as digestões sem problemas.
   Não é fácil entender uma mulher. Ela fecha-se em copas. Faz-se desentendida. Não dá pistas. Põe-nos a adivinhar.
Não facilita, pelo contrário, testa-nos.
   Em relação às mulheres avança-se com prudência, com a cautela de quem se acerca de uma joalharia em liquidação total.
Estar ou viver com uma mulher é ser posto à prova. Avaliado. Escrutinado. Sem direito a ser informado sobre a matéria passível de avaliação: arrumação, disponibilidade, gostos, hábitos, atrasos, convivência...
   É por isso que não acredito na igualdade sexual. Ao contrário do homem, a mulher não precisa que lhe segurem a porta e é implacável mesmo quando acorda despenteada ou se sente traída pelo anúncio que prometia frescura durante todo o dia.
Os homens não têm hipóteses perante a sua falta de misericórdia.
Até porque o homem desconfia, mas a mulher sabe, pressente, desencanta, desencobre.
É ágil na denúncia de contradições.
Aponta responsabilidades
Apanha falhas.
Alerta para falinhas mansas.
Deteta judas.
E, no final, o homem só é corajoso porque é a mulher que vive até mais tarde.
Quem fica a ganhar?
   Como sei o meu lugar, por mim as mulheres saem na frente. Têm tempo extra e melhores condições.
   Em relação às mulheres assumo a preferência, concedo reverência e condescendo nas unhas à Benfica. Também descrimino positivamente, arranjo mais uma cadeira e acrescento um lugar à mesa.
Contorno, rapidamente, a constitucionalidade, nego incongruências, não fiscalizo incoerências, estabeleço uma prioridade passageira e invento uma lei aprovada à justa.
Flores, também, nunca são demais.
  Sei que não é justo e democraticamente impopular. Por variadíssimas razões. Toda a gente reconhece que a mulher é frágil, mas ninguém perdoa homem lingrinhas. De um homem, também, ninguém aceita pânicos ou manias.
Ainda assim não cedo.
  Pode passar por parcialidade, favoritismo, uma tendência descabida e exagerada, um retrocesso feminista. Mas, não consigo evitar.
Porquê?
Reconheço a minha dívida.
O mundo precisa de mais mulheres.
O homem desilude mais. Esconde. Desvaloriza.
A mulher chora, mas o homem é chorão: queixa-se, atribui culpas, desculpa-se, vai aos arames. O homem barafusta, mas a mulher prepara em silêncio.
Uma mulher acumula horários, tarefas e dias de férias, mas continua indisponível para tréguas e insubornável. E em hora de vingança tem barba mais rija.
Mesmo sem soluções para a malha caída das meias, a mulher enfrenta. Não se esconde. Segue em frente.
Um grande homem é um achado, uma grande mulher uma inevitabilidade.
   O homem sabe-o e para ganhar tempo efeminou-se. Perfumou-se. Desenvolveu sensibilidade e conquistou intuição. O rosa já não é exclusivo feminino. Os cremes democratizaram-se.
Mas, para mim, continua claro, mesmo quando em alturas de maior incompreensão feminina me apetece gritar assustado: "S.O.S, mulher desgovernada", em caso de dúvida escolho a mulher.
E para me justificar não hesito e respondo, pronto, ao homem, que me acusa de vira casacas, sem me desculpar:
   Faz-te uma mulher!

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publicado por Carlos M. J. Alves às 19:42

III Bué da phixe

Segunda-feira, 18.11.13

Em relação ao calão melhores dias virão para mim, certamente. Sou sintaticamente esforçado e empenhado ao nível dos sintagmas mas, a verdade é que ando linguisticamente descompensado. Prejudicado, descaradamente, pela semântica. Em constante anacronismo proverbial.
Encalhei.
Ainda me falta tomar a Bastilha linguística de assalto. Continuo agarrado ao "ph". Desconfiado com "bacanos, "maganos" e "meus".
O meu calão anda desfasado. Caio com os bofes de fora aos primeiros metros no caminho da actualização. O meu coração não aguenta, porque a minha modernidade é antiga. Vitoriana.
Vivo no antigamente e não tenho grupo certo.
Tenho paleio de antigamente, português de terceira idade. Ando a cair da tripeça no calão.
Falta-me "Swag".
Tenho uma evolução lenta em relação à gíria. Escapam-me décadas inteiras.
Sou do tempo do cinema mudo e sendo optimista, durante algum tempo, da época do preto e branco.
Falho no contexto, sentido de oportunidade e troco significados.
Dou de "frosques", em vez de "dar de fuga" e vou-me embora em vez de “bazar”.
Finjo ser “Fixe", mas denuncio-me porque gosto muito em vez de “bué” e prefiro um bocado quando se pedia uma  “beca”.
Conforme as épocas deixo de saber conjugar e erro nos graus.
Em relação ao calão vacilo. Improviso, logo baralho.
Sou inexpressivo por falta de vocabulário. Acabam-se-me rapidamente as palavras e desactualizo-me com facilidade. Falho nos tempos, acordos, assimilações, incorporações, e nos "ismos". Confundo-me.
Acabo a desculpar-me, embasbacado.
Fico apeado.
Sou desadequado. Antiquado.
Calão?
“Népia!”
Apesar de tudo tomo notas, atento a expressões e complementos. Treino e aplico-me.
Já sinto algumas melhorias.
Incómodos à parte tenho recuperado de anos de atraso. Derrapo menos e já não tropeço no trocadilho. Já faço “cagaçal” em vez de barulho.
Acredito que estou no caminho certo em relação ao calão.
Ainda me falha a memória e a dicção, mas já arranho.
"Tásse".

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publicado por Carlos M. J. Alves às 19:33

III Relativizar por aí

Sexta-feira, 15.11.13

A partir de hoje vou relativizar.

Passo a desvalorizar e a encolher os ombros.

Vou tirar importância às coisas. Passá-las de extrema a assim-assim e achar que não é tão mau como parece.

Vou enganar-me de propósito. Trocar códigos e PIN.

Não vou reparar em rugas, passo a descontar cabelos brancos e acabo a subtrair quilos a mais.

Tirar tempo aos atrasos e, por minha conta e risco, juros à dívida.

Aproximar distâncias e saltar degraus.

Vou abrandar a pulsação e diminuir batidas por minuto.

Abolir solenidade às cerimónias, abandonar ralações e por de lado preocupações.

Vou vencer o stress, desbaratar complicações e recuperar horas de sono perdidas.

Pânicos e desesperos não são para mim!

Não vou em crises!

Vou por fim às azias e mal estares, tirar graus à febre e não dar importância às alergias.

Acabaram-se as maleitas!

Vou ganhar anos.

Rejuvenescer.

Acabar, praticamente, recém-nascido.

Serei optimista. Passarei a descontrair, a desconsiderar, a deixar-me de pressas, a evitar confrontos e iras.

Acharei que há pior, que não vale o sacrifício, que se pensar bem… que depende do ângulo.

Vou andar de olho nas perspectivas e amantizar-me com o deixa andar.

A minha frase favorita vai ser: “pensando melhor…”.

Saindo de fininho quando a coisa der para o torto.

Nada será como dantes.

Estou a falar a sério! Muito a sério. Os dias não estão para brincadeiras.

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publicado por Carlos M. J. Alves às 10:52

III Le tourist c'est moi

Sábado, 02.11.13

Um público de escalão etário de universidade sénior, de reforma pouco mediterrânica e poder de compra humilhando o da Europa periférica, anunciou-se como linha avançada privilegiada, desbaratando "very nice" a torto e direito e prometendo comprar sem precisar de promoção. Sorri encantado por não ter sido enganado pelo folheto que lhe prometera anticiclones pacíficos e precipitações amestradas.

   Ainda havia vestígios de terra à vista nas amuradas quando os primeiros jovens de espírito abandonaram, como emplastros, o vapor de três andares acabado de atracar para o passeio lisboeta que os levará à certa.

    Saíram, pela mão campina do guia, em trote rápido, com organização de cabresto, curiosos e ávidos por treinar o “óbrigadu”.

    Destemidos por entre as taxas de IVA, serpenteando os Táxis que os cobiçavam avançaram lestos, prontos para reconquistar muralhas adentro e colina a colina Lisboa. Elas procurando Cristianos Ronaldos. Eles portuguesas com resultados positivos visíveis e adelgaçados de Herbalife e de preferência frescas que nem alfaces.

   Embasbacados com a história bifurcaram-se apressados em grupos coloridos distintos, como se tivessem saído de um musical bem-sucedido de La Féria com ganas de miúras diante do pano vermelho.

    Entusiasmados com a mudança de ares, seguiram de nariz de Gérard Depardieu no ar numa espécie de corrida de tróleis carregados de recuerdos e lembranças avulso made in China. Uns com ares de falsa partida mais atrás do que outros e outros para quem a ordem para arranque se perdeu na cadeia de comando.

Todos de guia Michelin em riste sedentos por experiências ricas em fait divers e contactos directos com os nativos.

   Pararam no eléctrico mais próximo como um enxame de melgas em Quarteira pousando pesarosos nos lugares disponíveis, exaustos de informação e de glúteos esgaçados pelas milhas marítimas.

    Transpirados e afogueados pelo novo clima, foram trocando itinerários saindo ainda em andamento frente a uma tasca onde um funcionário com ritmo de trabalho moderado vendia bifanas enlameadas em molho antigo picante.

   Um adolescente subterrado em acne a quem de boca a boca se identificou "problema na glândula" açambarcou voluntário um gordo par do produto da casa e avançou empenhado "correndo como um extremo" para uns torresmos de quinta geração que lutavam com um universo de moscas numa orgia aérea que sobreviviam a uma cadeira eléctrica pendurada no tecto que em vez de as electrocutar lhes aquecia os ânimos e as feromonas perdidas no ar. O pasmo foi geral e contagioso, esgotando o stock de carcaças.

    O coro de " very nice" seguiu via Jerónimos e afluentes, avançando como um rei sol poderoso anunciando-se em flashes exuberantes por entre a mole cuja hospitalidade lendária os atraíra de antemão.

    Enfastiados com o excesso de pastéis de natas que empurraram bucho abaixo a avanços de meia de leite, completando com este o par do matraquilhos gastronómico, extasiaram com tudo o que a isso se sucedeu, num encantamento turístico generalizado que grassava nos espíritos como uma epidemia bem-intencionada que faz achar graça mesmo ao ridículo e aprovar até o impossível. 

    O dia para o público de escalão etário de universidade sénior terminou onde começou, dando razão à fama dos brandos costumes do país, da luz límpida da cidade, da calçada que é portuguesa, dos azulejos que estão por todo lado.

    Chegados à embarcação que atracara ainda a manhã não via meios de chegar ao almoço atacaram, inconscientes dos riscos da diabetes, ao som de mambos e salsas, as guloseimas do chef, como crianças ressacando da Ritalina, salivando ante as gomas.

   Continuavam incapazes de distinguir no planisfério, onde reconhecem pior a península ibérica do que a bota italiana, onde acaba Portugal e começa Espanha. Experimentaram o pastel de bacalhau, mas continuam pensando tratar-se de um único pavilhão cujo eixo comum fez transitar do lado mais pobre para o mais rico o filho menos preferido de Joseph Blatter.

    O moderno vapor que as trouxera sãs e salvas até aos endividados renitentes e de ajustamento em negação e que ficara no porto de sol a sol aproveitou a maré, dando vivas aos cacilheiros de Joana Vasconcelos. Afastou-se saudoso de " very nice" em " very nice" até ao regresso prometido, que o PIB rarefeito português espera, saudoso de quem deixa saudades que é coisa que os de cá não vão levando. Como quem pede o pão por Deus, rápido e recheado de dólares. De quem vive num eterno dia de todos os santos, com orações devotamente dedicadas a S. FMI. Voltem sempre.

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publicado por Carlos M. J. Alves às 20:32





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