Máquina da Preguiça®
O texto é uma máquina preguiçosa [Umberto Eco]
III A realidade da política

Boss [aposta do canal Starz] é a primeira série dramática de Kelsey Grammer (o saudoso Frasier), onde este representa o Mayor de Chicago. Criada por Farhad Safinia esta esplêndida série apresenta Tom Kane, o impiedoso Mayor de Chicago como uma figura poderosa, cuja acção se baseia num mandato onde a política se arroga direitos. Privilégios. Atenções especiais. Indultos. Namorisca se necessitar. Prevarica se lhe aprouver.
Há gente a faltar ao prometido. Amigo do amigo.
Um mundo do faz e dá o jeito. De escândalos prescritos. Ou em vias de. Do a mim não se aplica.
Feito de uma mão lavando a outra. De olhar para o lado se for preciso. De tu sabes que eu sei. E não faço nada se tu. Onde as boas acções não passam despercebidas. Um hoje tu, amanhã eu. Ou vice-versa.
De corta-fitas. Assente no deslize. Do orçamento falhado. Do improviso.
Um poder queimando as mãos. Compondo-se por via de terceiros. Um casa e descasa de alianças.
De lavar dos cestos. De faz de conta.
De fumo que todos juram nunca ter dado em fogo.
Onde por vezes se fica com a dúvida se a política em certas alturas não é só a solução mais cara.
A primeira temporada constituída por oito episódios já terminou e a segunda que terá dez promete, ou não estivéssemos a falar de política.
Depois de se ver a Grande Reportagem SIC “Profissão ex-ministro” [de Pedro Coelho e José Silva (imagem) com edição de imagem de Andres Gutierrez] fica-se com a sensação de que a política em Portugal é um purgatório temporário de onde se ascende para um muito bem pago e exclusivo paraíso.
A reportagem segue o rasto do percurso de meia centena de ex-ministros e ex-secretários de Estado [oito deles foram entrevistados], depois de terem saído do governo. Detentores de importantes pastas em governos do PS, do PSD e da coligação PSD-PP, nas últimas duas décadas, muitos foram assumindo funções em empresas ligadas a sectores que anteriormente tutelavam: Pina Moura, Ferreira do Amaral, Dias Loureiro, Jorge Coelho... um rol de casos de antiguidades mais ou menos variáveis. No final percebeu-se, claramente, que o rendimento de todos subiu em flecha.
O trabalho de investigação dos repórteres da SIC permitiu-nos compreender que a política nacional tem potencial de case study, tal a sua singularidade: o abandono governativo como promotor de sucesso individual.
Após o exposto e a norte ou a sul das habilitações de Sócrates ou Relvas, a leste de Guterres a errar nas contas ou a oeste de um primeiro-ministro “indeciso” com datas é fácil justificar a desconfiança política dos portugueses. E ir a banhos em dia de eleições, indiferente aos níveis de abstenção ante a possibilidade de mais uma vez tudo se transformar num talent show em que os finalistas ludibriaram o júri.
Em relação à política, por vezes, é difícil perceber onde acaba a ficção e começa a realidade.