Máquina da Preguiça®
O texto é uma máquina preguiçosa [Umberto Eco]
III Um óptimo dia para uma revolução
Life is short, break the rules, forgive quickly, kiss slowly, love truly, laugh uncontrollably, and never regret anything that made you smile. Twenty years from now you will be more disappointed by the things you didn't do than by the ones you did. So throw off the bowlines. Sail away from the safe harbor. Catch the trade winds in your sails. Explore. Dream. Discover.
Mark Twain
Aos treze anos desejava ser como Iggy Pop. Dúvidas? Não para mim. Esse era o caminho certo.
Mas não foi esse o caso. É difícil dizer o que correu mal. Estava seguro de que tudo se processaria sem problemas e que era o melhor para mim.
Algo semelhante aconteceu quando fiz projectos para escrever como Faulkner em 1986, melhorar o desempenho escolar em 1989, deixar de fumar em 2005...
É assim a mudança! Sangue, suor e lágrimas.
Um dia simplesmente acordamos e percebemos que já deveríamos ter lido À la recherche du temps perdu, ter experimentado comida molecular ou ter estado em mil e quinhentos lugares com que sempre sonhámos. Ficámos a meio dessas etapas e de largar outras tantas. De mudar. De vida. De nós. Ser como Iggy Pop. Mudar hoje o que queremos ser amanhã.
Mas, mudar, como, quando e porquê?
Com o passar dos anos queremos voltar atrás. Ao corpo de antigamente. Vítimas de uma idade desfigurante.
Estar onde nunca se esteve. Em desacordo com o percurso e o ponto de chegada. Cortar, definitivamente, com o já feito.
Toda a gente acha que nunca acontecerá consigo. Tem como garantido um novo dia. Mas desengane-se, em algum momento sentirá a necessidade de mudar. Uma espécie de call of the wild dominador e visceral.
Porquê? Bem, ninguém sonhou chegar em último. Ou ficar pelo caminho. Ter horários de reformado.
Há dias em que olhamos para o espelho e se pudéssemos mudávamos tudo. De alto a baixo. Nem a personalidade se salvava, quanto mais aquela camisa...
Em certas alturas ouvem-se as pernas a esticar até à altura desejada. Hábitos mudando de mãos. Guarda-roupas completos passando à categoria "onde é que eu estava com a cabeça?". Aprovisionamos saladas rejuvenescedoras e bebidas energéticas. E rock n' roll! É desta que vamos mudar!
A mudança é um passar de um lado da rua para o outro oposto. Uma boia de salvação atirada para o meio da tempestade, logo após a queda de um homem ao mar.
Há casos de mudanças que dão origem a Frankenstein's. Remendos acumulando-se em exagero. Um patchwork vulgar e de mau gosto do qual brotam proto-Justin Bieber's.
Nem todas as mudanças são, por isso, aconselháveis.
Algumas limitam-se a abanar a estrutura, mas outras não deixam pedra sobre pedra. Destroem a certeza mais forte: de que as crocs são calçado de enfermeira a que Rossetti era a alma dos pré-rafaelitas ingleses. Nada se aproveita.
São difíceis de digerir. São, todavia, as mais eficazes. Quanto às outras...
Lamento admitir, mas tenho receio de viver num mundo onde existe alguém que quer ser como Justin Bieber. Uma personagem bem comportadinha, semelhante a um purezinho para quem está doente ou uma canjinha levezinha. Um conta-quilómetros a zeros.
Mudar, mudar, mudar eis o mote.
Mas não nos contentemos com Justin Bieber.
Um é mais do que suficiente. Prometam-me esse tanto!
Deserdem os vossos filhos se chegar a isso. Expulsem-nos de casa se for o caso. Não mostrem misericórdia.
Desconfiem das suas intenções.
Sejam inflexíveis.
É a única forma de dormirmos descansados.
Mudar, mudar, mudar [Quem gritar Carpe Diem leva um tiro por falta de originalidade].
De preferência começar de novo.
Acabar com o que se está a fazer.
Partir para outra. Deixar de lado as lamúrias.
Dar o tempo anterior como mal gasto.
Reconsiderar, ansiando por um volte face.
Mandar tudo à merda.
Aproveitar as férias, a fila do 47, a espera pelo médico da Caixa.
Acordar em Amesterdão ou no Rio só com a roupa que se traz no corpo.
Passear pela praia de Venice sem fazer a mínima ideia de como lá se foi parar.
Chegar ao fim do arco-íris.
Feliz!
Começar uma revolução inteira. Com o que estiver à mão. Por nenhuma razão especial e por ninguém.
Está um óptimo dia para isso.
Em relação a Iggy Pop, continuo a achar que poderia ter dado certo.