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III Contras feitas

Quarta-feira, 13.02.13

Ser do contra não é instalar-se, desordeiro, no meio da claque da equipa adversária. Nem é mudar de ideias quando já se pisa as praias da Normandia. Não é de quem só tem garganta ou vive de bico calado.

    Num país de observatórios não há em Portugal um estudo disponível que permita demonstrar que por cada milhar de portugueses que, estóicos, aguentam de papo cheio a situação deprimente a que se chegou, como um ganso vendo passivo o fígado passar a foie gras há uma voz do contra. E o mesmo se diga para quem a gorja serve, unicamente, para com a mesma naturalidade de Van Gogh pintando girassóis, se armar em treinador de bancada consensual. Para não falar do mais do que consciente e modesto cidadão que acha que "Vozes de burros não chegam ao céu".

Por cada um desses milhares há uma voz do contra.

     A voz do contra não consegue curas para doenças incapacitantes. Às vezes engana-se. E até pode defender que os óscares estariam melhor entregues a Bo Derek do que a Meryl Streep. Jurar a pés juntos que a parede branca caminha perigosamente para um negro máximo. Contestar penalties apesar das imagens esclarecedoras. Apontar para o norte quando o caminho é para sul. Teimar que O Paciente Inglês é uma comédia. Ou ter voz estridente de Fran Drescher em de The nanny named Fran (Competente e Descarada). Pode, mesmo, não ir além de dar dois gritos.

Mas, não é essa que interessa. Mas, a outra, a construtora, que sozinha consegue erigir pirâmides. Essa é linguaruda. Refilona. Não se cala nem deixa por dizer.

É o contrário de uma voz resignada que é mansa e anda em bicos dos pés, sem pernas para tomar a dianteira.

     É por isso que a voz do contra é rara, porque a maioria das vezes perde mais do que ganha. Faltam voluntários para ela.

Mas, não há dúvidas de que em termos de importância mais vale uma voz do contra afónica do que uma resignada esganiçada.

     Uma voz do contra é inoportuna, desagradável e altiva.

É desinibida e faz mais alarido do que um gato com cio. Fala alto e não se encolhe. Barafusta.

Finca o pé e não se desvia. O que a faz pouco popular.

Uma voz do contra dá o corpo às balas nas guerras que vai comprando. Não gosta de perder nem a feijões. E, também, não deixa que lhe passem a perna.

Ao contrário de uma voz resignada que é mansa e anda em picos de pés, sem pernas para chegar à dianteira. Para quem tudo são favas contadas.

    A voz do contra não é cega, tem até os olhos bem abertos e vê mais longe do que o habitual. Tem um pouco de rufia, de pedra no sapato. É casmurra e nunca dá o braço a torcer. Incomoda. É uma pedrada no charco, uma sacudidela no marasmo, um abanão vigoroso.

     A voz do contra foge ao habitual. Nem sempre está do lado da razão mas, facilmente, se encontra do outro lado. É uma voz que se levanta e não se preocupa em ficar sem lugar.

Não afina pelo mesmo diapasão, o que a torna dissonante. Nem se perde em silêncios ou vai em conversas, muito menos nas moles.

Em relação a concordar com terceiros é objectora de consciência uma vez que não se deixa intimidar.

Essa é a razão porque às vezes parte a loiça toda: um pirex cheio de desilusões que estavam atravessadas, uns cristais raríssimos repletos de coisas que ficaram por dizer, umas porcelanas deslumbrantes escondidas atrás de umas orelhas moucas a que se disse basta. E quando a cristaleira não for suficiente abre-se mão das cerâmicas que quando se parte a loiça toda não se olha a estilhaço de barro.

Sai caro? Às vezes. Mas, conhecem alternativas?

Façam as contas.

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publicado por Carlos M. J. Alves às 10:53





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