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III Le tourist c'est moi

Sábado, 02.11.13

Um público de escalão etário de universidade sénior, de reforma pouco mediterrânica e poder de compra humilhando o da Europa periférica, anunciou-se como linha avançada privilegiada, desbaratando "very nice" a torto e direito e prometendo comprar sem precisar de promoção. Sorri encantado por não ter sido enganado pelo folheto que lhe prometera anticiclones pacíficos e precipitações amestradas.

   Ainda havia vestígios de terra à vista nas amuradas quando os primeiros jovens de espírito abandonaram, como emplastros, o vapor de três andares acabado de atracar para o passeio lisboeta que os levará à certa.

    Saíram, pela mão campina do guia, em trote rápido, com organização de cabresto, curiosos e ávidos por treinar o “óbrigadu”.

    Destemidos por entre as taxas de IVA, serpenteando os Táxis que os cobiçavam avançaram lestos, prontos para reconquistar muralhas adentro e colina a colina Lisboa. Elas procurando Cristianos Ronaldos. Eles portuguesas com resultados positivos visíveis e adelgaçados de Herbalife e de preferência frescas que nem alfaces.

   Embasbacados com a história bifurcaram-se apressados em grupos coloridos distintos, como se tivessem saído de um musical bem-sucedido de La Féria com ganas de miúras diante do pano vermelho.

    Entusiasmados com a mudança de ares, seguiram de nariz de Gérard Depardieu no ar numa espécie de corrida de tróleis carregados de recuerdos e lembranças avulso made in China. Uns com ares de falsa partida mais atrás do que outros e outros para quem a ordem para arranque se perdeu na cadeia de comando.

Todos de guia Michelin em riste sedentos por experiências ricas em fait divers e contactos directos com os nativos.

   Pararam no eléctrico mais próximo como um enxame de melgas em Quarteira pousando pesarosos nos lugares disponíveis, exaustos de informação e de glúteos esgaçados pelas milhas marítimas.

    Transpirados e afogueados pelo novo clima, foram trocando itinerários saindo ainda em andamento frente a uma tasca onde um funcionário com ritmo de trabalho moderado vendia bifanas enlameadas em molho antigo picante.

   Um adolescente subterrado em acne a quem de boca a boca se identificou "problema na glândula" açambarcou voluntário um gordo par do produto da casa e avançou empenhado "correndo como um extremo" para uns torresmos de quinta geração que lutavam com um universo de moscas numa orgia aérea que sobreviviam a uma cadeira eléctrica pendurada no tecto que em vez de as electrocutar lhes aquecia os ânimos e as feromonas perdidas no ar. O pasmo foi geral e contagioso, esgotando o stock de carcaças.

    O coro de " very nice" seguiu via Jerónimos e afluentes, avançando como um rei sol poderoso anunciando-se em flashes exuberantes por entre a mole cuja hospitalidade lendária os atraíra de antemão.

    Enfastiados com o excesso de pastéis de natas que empurraram bucho abaixo a avanços de meia de leite, completando com este o par do matraquilhos gastronómico, extasiaram com tudo o que a isso se sucedeu, num encantamento turístico generalizado que grassava nos espíritos como uma epidemia bem-intencionada que faz achar graça mesmo ao ridículo e aprovar até o impossível. 

    O dia para o público de escalão etário de universidade sénior terminou onde começou, dando razão à fama dos brandos costumes do país, da luz límpida da cidade, da calçada que é portuguesa, dos azulejos que estão por todo lado.

    Chegados à embarcação que atracara ainda a manhã não via meios de chegar ao almoço atacaram, inconscientes dos riscos da diabetes, ao som de mambos e salsas, as guloseimas do chef, como crianças ressacando da Ritalina, salivando ante as gomas.

   Continuavam incapazes de distinguir no planisfério, onde reconhecem pior a península ibérica do que a bota italiana, onde acaba Portugal e começa Espanha. Experimentaram o pastel de bacalhau, mas continuam pensando tratar-se de um único pavilhão cujo eixo comum fez transitar do lado mais pobre para o mais rico o filho menos preferido de Joseph Blatter.

    O moderno vapor que as trouxera sãs e salvas até aos endividados renitentes e de ajustamento em negação e que ficara no porto de sol a sol aproveitou a maré, dando vivas aos cacilheiros de Joana Vasconcelos. Afastou-se saudoso de " very nice" em " very nice" até ao regresso prometido, que o PIB rarefeito português espera, saudoso de quem deixa saudades que é coisa que os de cá não vão levando. Como quem pede o pão por Deus, rápido e recheado de dólares. De quem vive num eterno dia de todos os santos, com orações devotamente dedicadas a S. FMI. Voltem sempre.

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publicado por Carlos M. J. Alves às 20:32





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