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III Arrependimentos à parte

Terça-feira, 17.04.12

Digo-vos que assim haverá maior alegria no céu por um pecador que se arrepende, do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento.

Lucas 15:7

 

Está por fazer a estatística global de arrependimentos. O apuramento da média de contrição diária. O total para um adulto saudável, moralmente empenhado e sexualmente activo, de remorsos. Quem nunca se arrependeu que atire a primeira pedra. É um vicío.

   O arrependimento é para quem se preocupa com a absolvição. A sua ou dos outros. Tem target assegurado. É à conta para dar razões. Apresentar justificações. Favorável a quem se escusa. Benéfico para quem evita. Para quem se atrasa. Ou se engana.

É inerente. Natural. Um software visceral com upgrade vitalício, continuamente em funcionamento. Urge o unplug.

  Saibam, porém, que o arrependimento não perdoa. E desculpas aproveita-as quem quiser. A vida tem propriedades de irremediável. Inconformável.

   Para cada arrependimento ou qualquer «estou arrependido» devia existir uma figura que implacavelmente diria «não vou nisso», «faz-te à vida».

   Who cares?

   O arrependimento devia, realmente, matar. Não ficar pela ameaça. Pelo bluff. Há razões mais que bastantes. Se o arrependimento matasse era outra conversa. Não devia ser um “se”, antes uma fatalidade, um “já está”.

Vou mais longe. Digo até mais. Por cada vez que nos arrependêssemos por algo que deixamos por fazer ou de fazer devíamos morrer várias vezes. Não tenho dúvidas. Em catadupa. Devagarinho. Uma por cada hesitação e outra, final, em dose mais dolorosa por termos optado por deixar a meio ou desistir.

Olho por olho, dente por dente. Um lex talionis feroz. Por cada comentário interrompido ou calado pesarosamente, uma língua perdida. Por cada passeata abortada chorada, semanas de entrevamento. Por cada doce extra renegado, cinco quilos suplementares nas ancas.

Por cada embaraçante grama de álcool a mais no organismo tombos vitalícios.

Só assim abriríamos os olhos.

   O arrependimento e o remorso são castigos leves. Quem tem medo? Uma consciência ao fim de algum tempo deixa de estar pesada.

É de baixa manutenção. São trocos. É algo que se sente, não é preciso fazer nada. É para calões.

  Quem se arrepende chora sobre o leite derramado. Um “não tenho paciência” devia ser exemplarmente castigado. Preventivamente. Tal como um “não me apetece”, ou um “não estou para isso”.

Ao primeiro “depois logo faço”, com possibilidade de arrependimento, devia abater-se um raio fulminante sobre o indivíduo.

O arrependimento, tal como as boas intenções só servem para encher infernos. São farinha do mesmo saco.

O arrependimento é uma coisa chata. Em arrependimento não se morre mas vive-se aos bocadinhos.

Deve ser algo a evitar. Ou usado com parcimónia. Só se não houver alternativa.

   Em relação ao arrependimento a minha opção é clara. Não tenho dúvidas quanto à prioridade. Prefiro fazer primeiro e arrepender-me depois. Não deixar por fazer. Esse é o pior dos arrependimentos. Mais vale ir a direito. Antes um impetuoso, trilhando caminhos nunca dantes percorridos, desiludido do que um céptico arrependido.

   O arrependimento é um luto pelo “não feito”. Um requiem pela opção errada.

Tem o seu quê de Madalena. Devia ser contabilizado. Devia retirar créditos. Ser calórico para fazer engordar. Para ser visível.

  O arrependimento agiganta-se a esteroides poderosos de culpa. Banalizou-se. É levado de ânimo leve.

Troco um 10 de Junho e três dias de Carnaval por um dia inteiro sem arrependimentos. Devia haver o dia livre de arrependimentos. Desimpedido. De circulação espontânea. Descuidado. Sem consequências.

   Admiro alguém que diz: «Não me arrependo de nada». Mesmo que esteja a mentir. Respeito mais, facilmente, um mentiroso do que um arrependido.

   No entanto, tenho de admitir que, se o arrependimento matasse, hoje já tinha morrido, pelo menos, três vezes.

Quem me dera estar a mentir.

 

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publicado por Carlos M. J. Alves às 16:09





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