Máquina da Preguiça®
O texto é uma máquina preguiçosa [Umberto Eco]
III A Máquina da Preguiça
Greed is good. Sex is easy. Youth is forever.
Bret Easton Ellis, The Informers
Partamos do pressuposto que o pecado é uma realidade. Uma certeza como os vampiros de Stephenie Meyer em Twlight e nas séries da FOX. Podemos dizer em relação a eles que: a ira nos estrangula a tensão arterial, a inveja nos vai secando, o orgulho isola-nos, a gula ataca-nos o colesterol e diabetes, a avareza corrói-nos. Mas a preguiça… a preguiça é o menor dos pecados. Inteiramente desculpável.
Semi-opcional. Podemos dizer: «hoje não me apetece fazer nada» e ser admissível. Uma fase. Uma anomalia. Temporária. Disfarçável. Um hobby (uma preguiça com objectivos) serve perfeitamente para procrastinar e faculta uma desculpa para não nos dedicarmos a coisas mais importantes.
Orgulho, luxúria, gula… possuem seriedade e respeitabilidade superiores.
A maior ameaça ao pecado para além da moderação é a idade. Com ela limitam-se as opções. Percebemos que estamos velhos quando começamos a ficar preguiçosos. O que nos resta.
Num mundo de empreendedores a preguiça é um luxo. Tirando isso… não se pode comparar com a gula, por exemplo. Ter dificuldade em levantar-se não se compara com merendar quatro tobleron gigantescos sem intervalo e ficar com uma fraqueza. Não se pode equiparar a luxúria à balda a uma aula ao tempo terminal ou de um trabalho de casa.
A preguiça é o mais maneirinho dos pecados. Não compromete. À partida pode nem implicar terceiros. Não prejudica ninguém a não ser o próprio. A preguiça devia ser considerada um não-pecado. Uma escusa à virtude, na melhor das hipóteses. A preguiça liberta-nos do hedonismo. Mais vale sermos virtuosos. Somos um Dexter domesticado. Um tareco à trela e a Whiskas.
Um pecado exige soberba. Menos que isso é nada. Não existe a não ser noutra dimensão (na Twilight Zone e com a condescendência de Rod Serling).
A preguiça tem uma característica amigável, pacífica, não algo de que se foge como o diabo da cruz. Como a ira que nos recruta para a hipertensão.
A preguiça repousa-nos. Amansa-nos. Poderemos imaginar-nos lobos, mas não ultrapassamos o cordeiro manso. Não acrescenta peso (ou menos do que a gula), nem ritmo cardíaco. O único risco em relação aos preguiçosos é o de morrer à sede. Mas isso é um mal menor.
É o único pecado que nos dilata a longevidade. O preguiçoso não se apoquenta. Não se esforça. Não cai em exageros. Com a preguiça fica-se Zen.
Com a preguiça vamos ao tapete. Dispensa testosterona. Até porque pode ser, somente, um mandriar.
Só exige paciência. De Job.
É o mais burguês dos pecados. Uma chatice.
Salvé dias de luxúria. Ó desejada vaidade. Abnegai-vos na ira. Sede servis com o orgulho.
Devemos desconfiar dos preguiçosos e admirar os glutões. Venerar os que passam a vida irados e envoltos em vaidade. Os que vivem para a luxúria.
Era o que eu faria se não fosse a idade. Mas, não vale a pena propormo-nos correr a maratona quando só nos resta pernas para 100 metros. Não se pode aspirar a actividades radicais quando só conseguimos estar à altura dos jogos de tabuleiro. Que é como quem diz: temos os olhos postos na luxúria mas, a partir de certa altura, sobeja-nos a preguiça. Sonhamos com os prazeres da carne mas não vamos além de um acordar domingueiro, sonolento e espreguiçado de braços abertos, de par em par, como cristo redentor: preguiçosamente. Os demais pecados são para os mais novos. Passa a ser uma questão de saúde e não teológica. Os dias de luxúria e gula são uma saudade. O que continua em vontade falta-nos em corpo. Por falhas várias na manutenção. Ninguém pode ser glutão se tem problemas com açúcares e gorduras. Apesar de ser um descafeinado vale-nos a preguiça.
E se houver uma máquina…
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III Smoke on the Water
Do conhecimento que tenho (felizmente indirecto) o divórcio litigioso é sempre desagradável. Especialmente se parte de uma relação inseparável. Duradoura. Ando a pensar num. Quero acabar com o tabaco. Ando Freddie Mercury em ritmo I want to break free. Quero deixar de fumar, mas a separação tem sido tempestuosa. Litigiosa.
Sem nicotina oscilo, maníaco-depressivamente, entre a Madre Teresa e Howard Stern. Somewhere in between. Na minha cabeça ecoa um Varése em centrifugação. Só por isso, eu e todos os que estão na minha situação deviam ver alguns crimes permitidos.
Deixar de fumar tem-me feito tanto sentido como um “bué” descontextualizado dito para parecer moderno.
Ando perdido na parte do começar. Tem sido um longo começo.
Arranjar razões é o mais fácil. Caço lições num safari organizado por Pedro Rolo Duarte em Fumo (deixar de fumar é lixado) e mais 80 lições que eu vivi, edição Oficina do Livro de 2007. Procuro conselhos e dicas. Alinho em adesivos e pastilhas.
Falta-me a motivação. Sou um Sputnik obsoleto e em queda. A multidão adepta da equipa adversária rejubila e grita “óles!” ante a minha incapacidade em não sair fintado.
Guarda para amanhã o que não acabarás por fazer hoje, bem podia ser o meu lema. O espelho da minha incapacidade. Uma criança pouco tentada pelas guloseimas de prémio.
Não quero gastar dinheiro com tabaco. Sentir-lhe o cheiro (em mim e à minha volta). Não quero sentir-me asfixiado ao subir o último degrau. Eternamente cansado. Nem ouvir «Pai quando é que deixas de fumar?». Acabar com a minha tosse profunda, competindo, cavernosa, com o eco das grutas de Mira de Aire.
Quero assinalar o quadradinho do não fumador. Estar no café sem o cinzeiro à frente. Não entrar num estabelecimento e procurar, como quem está em Wimbledon assistindo atento bola cá bola lá à final, com o público antecipando o Match-point, até encontrar a zona de fumadores. Quero aparecer cedo para a caminhada. Não precisar de um cigarro para o stress, para entreter as mãos, para o tédio, para ajudar a passar o tempo, para acompanhar o café. Quero mudar de hábitos. Um cigarro a menos, uma passada firme. Outro cigarro a menos e o carro a cheirar a alfazema. Outro a menos pelos dedos não amarelecidos. Outro pela ilusão da roupa acabar de vir da loja a cheirar ao perfume da lojista. Tenho maços de anos para compensar. Anseio por verificar que consigo viver com isso. Melhor.
Quero deixar de fumar. É um longo começo e eu, ainda, só dei os primeiros passos.
Quero ser forte. Um Hércules anti-tabágico. Um Popeye determinado de músculos poderosos. Continuam a faltar-me os espinafres adequados.
Sonho com um estádio cantando em uníssono We are the champions, em minha honra, embalados pela minha vitória esforçada.
Todavia, a equipa adversária continua a vencer. Ainda oiço os “olés!”. Continuo a ser implacavelmente fintado. Em constante fora-de-jogo. Another one bites the dust.
Há sempre mais uma desculpa. Para mais eu nem sequer gosto dos Queen (true story). Sou mais Smoke on the water.