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III A maneira de ser é para quem não tem personalidade

Sexta-feira, 17.08.12

Quem não ouviu já: "Não lhe leve a mal pois é a sua maneira de ser"?

Estou a abarrotar de comentários sobre a “maneira de ser”. A minha e a dos outros. É incontornável. Dela ninguém nos livra. Anda colada a nós. Uma encruzilhada fatal.

Admito que estou, completamente, embuchado. Cheio de si!

   Podendo ser excêntrica ou recatada, pirrónica e conflituosa, também é soma de atributos e serve, perfeitamente, como desculpa. Para quando você está no seu pior, pôs a boa educação em lista de espera e partiu para a bestialidade. 

É um farol para o dar na vinheta. Uma luz, ininterrupta, para a sua escuridão interior.

   Mas, se você é dos que acha que dois terços do mundo nem sequer devia fazer-nos desperdiçar tempo e que a rotação anda largada dos eixos, tem os ponteiros trocados e devemos improvisar-lhe um sentido alternativo, não me venha falar de "maneira de ser". Do que você continua à pesca é de uma licença para moer o juízo alheio, em nome de sua majestade o mau feitio.

   Por causa da “maneira de ser” muita falha desapareceu impune, muito encontrão passou a desequilíbrio, muita má vontade foi desconsiderada. É um crédito que acaba, inevitavelmente, mal parado. Um cheque em branco para um apuro de maus modos.

   Usada como justificação, a "maneira de ser" desarma. No que diz respeito a tratamento de terceiros, é uma espécie de "mãos ao alto" que daqui ninguém sai vivo ou será bruscamente descarteirado, profetizado com exuberância de vuvuzela.

 

 

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publicado por Carlos M. J. Alves às 20:27

III A glamorosa vida com um robot de cozinha

Segunda-feira, 13.08.12

Cumprimentou-me sorridente. De dentes luzidios sobrando e cabelo, novo, à Björn Borg, saído de 1980. Loiro súbito. Lembrando quando distraímos John McEnroe, provocando-o a partir do meu sofá, só para lhe roubar o Grand Slam e colocar Wimbledon aos pés do sueco.

Eu recordando-o em bate-boca aceso comigo, aos nove, sobre quem tinha o predomínio em poderes: o homem aranha ou o de ferro. O de ferro derrotando tangencialmente.

Alegre. De sportswear jovial. Varão novo. Disponível. Em circulação. Fresco e magro. Curado das escoriações na auto-estima. Esquecido dos tempos do: "A minha mãe bem que me avisou acerca de ti!", "Gostava de saber para o que é que me serves", "Não dizes nada porque não te importas!". Esgotado. Domado. Imolando-se na auto-comiseração ante a praga de gafanhotos recriminatória, avançando à tripa-forra. Perguntando-se: "Onde é que eu estava com a cabeça?!". A descambar. Em dores lancinantes. Pronto para fazer mossa. Ir comprar cigarros e não voltar. Desarriscar-se de sócio. Uma lástima.

Eu com os olhos lassos, prostrados no chão, fugindo, sem assumir posição. Simulando distracção. Dividido. Sem tomar partido. Avesso aos lados. Surdo para as injúrias. Contaminado pela filoxera.

Ele olhando para mim, esmolando auxílio, plácido. E eu a dissuadi-lo de me ver como aliado. Mandando-o para o grupo dos do casamento em vias de desenvolvimento. Olhando-o com a condescendência de: "Quem te dera a ti!". Insinuando: "Para a minha, só do melhor". Provando-lhe merecer a camisa engomada. Embaraçado por não ter dado como devoluto o lixo da cozinha e casas de banho.

Dando-lhe com os olhos a ideia: "Tens muito que aprender!". Afiançando-lhe: "Bonito serviço!".

Ele estudando-me, sitiado, pedinchando socorro afectivo e eu mais Sancho que Quixote, indisponível para gigantes alheios: "É que se está mesmo a ver!".

Agora, ali, sarado. De grilhetas desfeitas. Em glória. De pelo recauchutado. Polido. Perfumado em cocktail botânico chuviscando bergamota e lavanda. Bom partido.

Sorridente. Porte escrutinado pelo ATP. Novamente solteiro. Revirginizado. Vitorioso. VIP.

"Então?"

"Há quanto tempo!"

"Desde que vocês...", insinuei, sem coragem para perguntar o habitual: "Como é que te estás a aguentar?".

"Pois..."

"Que fazes?"

"Fui comprar umas coisas para fazer o jantar.", afiança erguendo as mercas, deixando a nu os botões refulgentes de dinastia ignorada e vegetais de três continentes, aparecendo dos embrulhos.

"Mas tu não cozinhas.", comentei admirado de o ver desertando do "Hoje há conquilhas!" que frequentava em datas de soltura.

"Isso era quando estava com ela... agora com as festas e tudo mais..."

"Qual é o segredo?", inquiri, estupefacto.

"Comprei um robot de cozinha.", esclareceu como se tivesse subjugado, com um cyborg em protótipo, a última fronteira da gastronomia, cortando, ralando, cozendo e estufando até à liberdade humana plena em output pantagruélico estável e constante. Resvalando no maracujá, trufa ou risoto milanês. Ofertando consomé. Rendilhando comezainas. Em Tordesilhas marcando um antes e depois da máquina.

 

 

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publicado por Carlos M. J. Alves às 09:26

III Os segredos dos outros

Sábado, 28.07.12

Do de Estado ao amoroso, o segredo é a alma do negócio e sendo isso verdade é preciso quem se disponibilize para o acautelar. E que de preferência o seja capaz de aferrolhar a sete chaves.

  Ameaças? Curiosidades várias, consciência pesada, distracção, não saber quando parar de falar, prejuízos próprios da alcoolémia, favores, dinheiro...

  O princípio do fim? A pergunta: "Queres saber um segredo?".

  O fim? "Sabias que...".

  Um segredo exige ombros fortes para ser carregado, mais temperamento imperturbável e carácter não impressionável. E outras tantas características singulares que fazem escassear ainda mais os candidatos.

   Quem guarda um segredo remete-se ao silêncio. Faz votos. Diz não à tentação. Fecha-se. Esquiva-se aos apertos, para não deixar escapar nada.

É um túmulo. Ou um poço sem fundo.

Disfarça.

Faz orelhas moucas.

Nega.

Não cede. Tem fibra moral.

Sofre sozinho.

   Pedir para guardar um segredo tem um tanto quanto de abuso. Até porque em muitos casos quem pede segredo em situação de descoberta iminente é o primeiro a abandonar o barco, dizendo em sua salvação: "fulano de tal sabia". Insinuando que em qualquer momento podia ter contado ao mundo e só não o fez porque, cúmplice, não quis, estando tão ou mais envolvido em tudo do que o próprio. Saber escolher de quem guardar um segredo torna-se importantíssimo.

   Quem conta um segredo procura alívio. Alguém para partilhar os males. Egoísta. Quem guarda carrega. Amigo.

Guardar um segredo é a maior prova de amizade.

Dizê-lo, a traição das traições. Quando se conta um segredo confiado, troca-se de campo, de lado, de facção.

   Guardar um segredo é uma responsabilidade. Sobra para nós. Leva a um invariável: "E agora?". Dificulta-nos o seguir com a nossa vida. É escondê-lo, sabendo que alguns têm olho para o toparem à légua. É difícil. Uma espada sobre a nossa cabeça. A certa altura da vida toda a gente devia ser obrigada a guardar um segredo para saber o que custa e aprender a dar valor.

   O segredo não escolhe idades nem sexo.

Quem pede segredo só quer uma coisa: que alguém ouça, o não dizer nada a ninguém está subentendido.

   Guardar segredos não carece de explicação. Sabe-se apenas que um segredo bem guardado é um segredo que não deixa rasto e que os há mais difíceis de guardar do que outros, eventualmente por causa do tamanho, mas exigindo o mesmo: silêncio.

   Pedir segredo é um acto de confiança. Guardá-lo, de generosidade.

É uma tarefa sem termo certo. A prazo. Até a outra parte nos libertar.

Faz-se promessa. Obriga a cumprimento.

   Nem toda a agente é capaz: não tem propensão para ter a boca fechada, como se a ponta da língua lhes ardesse ou tivessem uma comichão insuportável no céu-da-boca. Até porque há alturas em que a boca nos foge para a verdade. Certas pessoas cedem ao tempo, a um pedido, a uma vingança, a uma desilusão. É mais fácil ser uma língua-de-trapos.

   Não conseguir guardar um segredo é mal visto. Não inspira confiança. Antecede problemas. Faz supor capacidades para coisa ainda pior.

   Não se percebe muito bem se com o tempo fica mais ou menos fácil guardar segredos. Talvez gradualmente se caminhe para um "não estou para isso" ou "deixem-me em paz", fugindo-se como se não houvesse amanhã dos abusadores.

   Os segredos são incómodos. Vivem o dia-a-dia abusivamente. São escusados.

Se um conhecido confessa, em allegro de choradeiras pungentes, estar prestes a saltar a cerca ou reconhece embaraçado que não perdeu, em tempos, um Porky's diga que não está interessado em saber mais. São segredos que ele partilha como se os entregasse para conservar em álcool. Presos finalmente naquela espécie de açude que é a sua capacidade em guardá-los. Empate. Tente ganhar tempo. Diga que não percebeu o que ele disse. Escape. É uma cilada. 

   Os segredos dos outros, não obrigado! Quem já não sofreu na pele os seus males?

Cada um que trate dos seus. Que os guarde agora ou que se cale para sempre.

   Sei, perfeitamente, porque é que me lembrei disto tudo, mas não posso contar. É segredo!

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publicado por Carlos M. J. Alves às 10:50

III Alguns diferentes para não sermos todos iguais

Quarta-feira, 25.07.12

"Ele sempre foi diferente", "Estás diferente", "Ainda bem que não és igual aos outros", comenta-se.

Em relação às diferenças podemos ultrapassá-las ou aprender a viver com elas, mas certo é que elas separam. Partem e repartem e não se percebe se ficam com a melhor parte.

   É-se diferente quando se sai do normal. Se dá guia de marcha ao banal. Se manda à fava o usual. Alinha na contra-corrente.

   No entanto, há quem faça por ser diferente e quem o seja. É a diferença entre ser e parecer. O costume!

   A diferença é fora do normal. Sai do comum.

Exige pré-requisitos: paciência, disponibilidade para estar sozinho... e por isso nem sempre medra.

É ambivalente. Há quem sofra por ela e por causa dela e quem a deseje.

Mas nesta coisa de antes de irmos de vez, deixarmos claro que se passou por cá, o melhor é deixar uma marca: diferente.

Não que o normal tenha que ser chato. Há muito diferente que fugindo a isso se torna no seu arquétipo, por força de lhe querer escapar.

   A diferença acha-se sem se procurar. Não exige cuidados. Está à vista. Não é preciso arregaçar mangas. Não  é porque sim, é porque se precisa. Não é diferente quem quer, mas quem necessita.

Pode ser incómoda. E tem engulhos: pode valer ou não valer a pena, moer-nos o juízo, nem sempre vir a calhar, não dar jeito, obrigar-nos a fazer quilómetros, a aprender línguas, ir a sítios, usar o impensável. E acabar pondo-nos de parte.

É tudo menos óbvia. 

É das margens. Dos cantos. Do menos visível. O menos seguido. O menos gasto. O feio não é tanto como julgam, por exemplo.

Não é habitual. Extravasa. Não se contém nem se fica.

É anti. Fora.

Sai dos eixos.

Como adjetivo é sui generis. Particular. Não serve o geral. Não se contenta. É contestatária.

Não é popular e ganha, rapidamente, antipatias. É do que fica para último.

Não cativa.

Na maioria das vezes é ser mais para si do que para os outros. Não se vai pela certa.

Não é tanto um caminho, é mais uma circunstância ou um par delas. Até porque pode ser-se diferente das mais variadas  maneiras: nas cores, atitudes, nas escolhas, na forma de amar, de dizer, de estar ou, simplesmente, ser.

   Às vezes sabe-se porque existe a diferença e a que propósito vem, mas outras nem tanto. É distinta até nisso.

Mas em relação a ela, uma coisa é certa, não podia ser de outra maneira e se pudesse era em tudo diferente. 

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publicado por Carlos M. J. Alves às 07:58

III Um óptimo dia para uma revolução

Segunda-feira, 23.07.12

Life is short, break the rules, forgive quickly, kiss slowly, love truly, laugh uncontrollably, and never regret anything that made you smile. Twenty years from now you will be more disappointed by the things you didn't do than by the ones you did. So throw off the bowlines. Sail away from the safe harbor. Catch the trade winds in your sails. Explore. Dream. Discover.

 

Mark Twain 

 

 

Aos treze anos desejava ser como Iggy Pop. Dúvidas? Não para mim. Esse era o caminho certo.

Mas não foi esse o caso. É difícil dizer o que correu mal. Estava seguro de que tudo se processaria sem problemas e que era o melhor para mim.

Algo semelhante aconteceu quando fiz projectos para escrever como Faulkner em 1986, melhorar o desempenho escolar em 1989, deixar de fumar em 2005...

É assim a mudança! Sangue, suor e lágrimas.

   Um dia simplesmente acordamos e percebemos que já deveríamos ter lido À la recherche du temps perdu, ter experimentado comida molecular ou ter estado em mil e quinhentos lugares com que sempre sonhámos. Ficámos a meio dessas etapas e de largar outras tantas. De mudar. De vida. De nós. Ser como Iggy Pop. Mudar hoje o que queremos ser amanhã.

   Mas, mudar, como, quando e porquê?

Com o passar dos anos queremos voltar atrás. Ao corpo de antigamente. Vítimas de uma idade desfigurante.

Estar onde nunca se esteve. Em desacordo com o percurso e o ponto de chegada. Cortar, definitivamente, com o já feito.

   Toda a gente acha que nunca acontecerá consigo. Tem como garantido um novo dia. Mas desengane-se, em algum momento sentirá a necessidade de mudar. Uma espécie de call of the wild dominador e visceral.

Porquê? Bem, ninguém sonhou chegar em último. Ou ficar pelo caminho. Ter horários de reformado.

   Há dias em que olhamos para o espelho e se pudéssemos mudávamos tudo. De alto a baixo. Nem a personalidade se salvava, quanto mais aquela camisa...

     Em certas alturas ouvem-se as pernas a esticar até à altura desejada. Hábitos mudando de mãos. Guarda-roupas completos passando à categoria "onde é que eu estava com a cabeça?". Aprovisionamos saladas rejuvenescedoras e bebidas energéticas. E rock n' roll!  É desta que vamos mudar!

    A mudança é um passar de um lado da rua para o outro oposto. Uma boia de salvação atirada para o meio da tempestade, logo após a queda de um homem ao mar.

     Há casos de mudanças que dão origem a  Frankenstein's. Remendos acumulando-se em exagero. Um patchwork vulgar e de mau gosto do qual brotam proto-Justin Bieber's. 

Nem todas as mudanças são, por isso, aconselháveis. 

Algumas limitam-se a abanar a estrutura, mas outras não deixam pedra sobre pedra. Destroem a certeza mais forte: de que  as crocs são calçado de enfermeira a que Rossetti era a alma dos pré-rafaelitas ingleses. Nada se aproveita.

São difíceis de digerir. São, todavia, as mais eficazes. Quanto às outras...

   Lamento admitir, mas tenho receio de viver num mundo onde existe alguém que quer ser como Justin Bieber. Uma personagem bem comportadinha, semelhante a um purezinho para quem está doente ou uma canjinha levezinha. Um conta-quilómetros a zeros.

   Mudar, mudar, mudar eis o mote.

 Mas não nos contentemos com Justin Bieber. 

Um é mais do que suficiente. Prometam-me esse tanto!

Deserdem os vossos filhos se chegar a isso. Expulsem-nos de casa se for o caso. Não mostrem misericórdia. 

Desconfiem das suas intenções.

Sejam inflexíveis.

É a única forma de dormirmos descansados.

Mudar, mudar, mudar [Quem gritar Carpe Diem leva um tiro por falta de originalidade].

De preferência começar de novo.

Acabar com o que se está a fazer.

Partir para outra. Deixar de lado as lamúrias.

Dar o tempo anterior como mal gasto.

Reconsiderar, ansiando por um volte face.

Mandar tudo à merda.

Aproveitar as férias, a fila do 47, a espera pelo médico da Caixa.

Acordar em Amesterdão ou no Rio só com a roupa que se traz no corpo.

Passear pela praia de Venice sem fazer a mínima ideia de como lá se foi parar.

Chegar ao fim do arco-íris.

Feliz!

Começar uma revolução inteira. Com o que estiver à mão. Por nenhuma razão especial e por ninguém.

Está um óptimo dia para isso. 

    Em relação a Iggy Pop, continuo a achar que poderia ter dado certo.

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publicado por Carlos M. J. Alves às 20:40

III Cartilha para a garantia de sucesso

Quarta-feira, 18.07.12

Lição nº1 - Eu se for bom, nós se der jeito.


É a mesma história de sempre. A pessoa e o seu tipo.

Matreira ou leal? Torta e sem capacidade de se endireitar ou recta? Capaz de tudo ou escrupulosa?
   O "eu" constrói-se. De preferência sob alicerces sólidos. É complexo. Precisa de crescer firme, com dignidade e valores.
Mas um "eu" comprometido com a necessidade de sucesso já vem feito.
Aparece a querer o lugar do outro, sendo falsamente empreendedor.
Ninguém lhe corta as pernas.
Põe e tira máscaras. Assume identidades. É várias pessoas. Engraxador. Eu, EU, eu.
Tem várias peles. É o que der mais jeito.
   Em contexto de reunião, em versão depuradamente graxista, o "eu" sai do armário como: "eu fiz", "eu tive a ideia", "eu cheguei a horas"...
Diz que está ou que esteve. Não confirma nem desmente. Disponível agora e sempre. Que viu ou vai ver. Leu ou anda. Não pensou, vai pensando. Não se dedica, continua a dedicar-se. Tem sempre ideias. Mas fá-las parecer difíceis de ter. Por elas reclama protagonismo e arrufos de genialidade.
Desenvolve-se no lodo da crise, na oportunidade que cria, desleal, na miséria alheia.
Fala quando interessa e repete o que surtiu efeito. Sistematiza o óbvio.
Aí o "eu" passa a perna. Diz "presente!" quando se trata de elogios. Auto-vangloria-se. Atribui-se honras. Estende a passadeira vermelha para si. Diz venha a mim....
Insinua-se para chefe. Tem a língua esticada para lamber. Não renuncia a uma boa filha-da-putice.
   O "eu" faz recair sobre si todos olhos, a não ser quando quer passar despercebido, aí passa a "a gente". Ou quando a crítica assoma em que manda o "a gente" à frente.
   O "fui eu que fiz" procura a promoção. Faz-se à atenção alheia. Colhe créditos. Soma os dos outros.
Dá saltinhos no meio da fila, dizendo: "estou aqui, estou aqui!". Acaba passando à frente.
O "eu fiz" não queima pestanas. Delega.
Lança-se às grandes empreitadas. Ao visível.
Procura protagonismo. Não vai em anonimatos ou pseudónimos.
Assina em maiúsculas.
Não pulveriza o seu trabalho.
   O "eu" tem predicados não reconhecíveis no "a gente". Não vai em números. O que é seu é seu e o que é dos outros é "da gente".
   O "eu fiz" não anda ao tostão.
Estabelece diferença nítida com o "vocês".
   O "a gente" é conveniente. Dá jeito. Salva. Protege do descrédito. Um "achámos" é menos arriscado do que um "acho".
É selectivo. É cirurgicamente inclusivo. Distribui a crítica por todos. Partilha  a culpa.
Lança poeira para os olhos quando é conveniente.
Desvia as atenções.
   O "eu" chega longe, mas só à custa de muitos "a gente.
   Num país de "eus" quem tem um "a gente" tem garantias notórias de sucesso.

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publicado por Carlos M. J. Alves às 21:49

III As impressões de hoje serão as certezas de amanhã

Sábado, 14.07.12

Há quem deseje dar o nome a estádios de futebol ou aviões da TAP, mas muito antes dessa possibilidade se proporcionar tem de se preocupar com as primeiras impressões.

Quando correm bem são uma entrada triunfante em campo. Um ir a jogo, confiante, para ganhar destacado. Não podem ser desperdiçadas. E não pudemos ser perdulários em relação a elas. 

   O receio em relação às primeiras impressões é como um medo do escuro não ultrapassado. Certamente não serei o único a pensar isso. Vale a pena salvaguardar alguns pontos em relação ao assunto.

   "Sicrano parece simpático", "Beltrano tem pinta de...", "não vou com a cara dele", "tem ar de quem..." Assim são as primeiras impressões. Desdenham. Pressupõem conhecer os cantos à casa. São uma lotaria. Um torcer de nariz.

Em relação a elas nem tudo o que brilha é ouro. E quem vê caras não vê, necessariamente, corações. Pior que elas só o "diz que disse" ou a calúnia.

No entanto, podemos dizer que não contam, mas num mundo de aparências, onde todos desejam impressionar, isso é uma conclusão precipitada. 

   A primeira impressão não é ajuizada. Falta-lhe o tino. É enervante. Não faz cerimónias. Leva-nos a melhor. Boicota-nos, displicente, obrigando-nos a fazer figuras tristes ou a ter atitudes impensáveis perante a necessidade de agradar. Consegue ser maldosa. Aconselha-se prudência aos utilizadores.

Em seu redor há drama. Suspense.

Uma gravata pode comprometer. Uma palavra despropositada embaraçar.

Dá-nos vontade de não aparecer.

   As primeiras impressões são hipócritas. Apelam ao dar nas vistas. Ao armar-nos. Tiram-nos as medidas. E sai a nota. 

   Razões para isso? Em termos de primeiras impressões há uma procura desmesurada por Clooney's e Pitt's.

O intelectual taciturno está, completamente, out of fashion no que às primeiras impressões diz respeito.

   De uma maneira geral, em circunstâncias normais, não queremos ser pretensiosos. Inteligentes, sim, mas não demasiado. Porém, não queremos falhar. E devido às primeiras impressões sentimo-nos novatos com tudo por provar. A pressão é igual à de uma final. And the winner is...

Fazem-se figas. Contas. Podemos indignar-nos, dizer que o que interessa é o interior, mas...

   As primeiras impressões são um je ne sais quoi. Um há falta de fundamento.... 

Sentem-seEm relação a si sou céptico. Só as digitais dão certezas. 

   As primeiras impressões podem deixar-nos despachados. Prontos para o que se segue. Mas quando corre mal esperamos que a opinião mude rapidamente e que  nunca atinja a maioridade.

Preciso de um tira-teimas. Uma espécie de sistema de pontos. Talvez acrescentar apenso o comentário please consider.

  Provavelmente, há peritos em primeiras impressões. Contagiantes. Motivados. Incutindo nos outros necessidades tipo Bonnie Taylor I need a hero. Torcendo o nariz às críticas. Mas, por mim, as primeiras impressões deviam ser riscadas. Desvalorizadas. Menorizadas. Desprezadas. Se pudesse passava já para  a segunda ou terceira impressão. E dizia: "agora que já me conhecem melhor tenham paciência comigo".

  Porquê? Reconhecidamente, a primeira impressão prejudica-me.

À primeira impressão sou um chato. Apalpo terreno. Tento ganhar tempo para o depois. Hesito na mesa. Na camisa. E no que der para ter dúvidas. Acabo de t-shirt, em pé e calado.

  Em minha defesa declaro que não se deve abusar das primeiras impressões. A serem usadas só com moderação. E só quando acompanhadas de um contexto apropriado. Deviam ser uma espécie de migalhas que se deixam como rasto para algo mais importante. 

Em relação a uma reacção, o caminho devia ser íngreme e não ficar por uma primeira impressão. Todos deviam lutar pela camisola azul nessa difícil ascensão. 

Só as certezas são à prova de bala. Desenganem-se os aspirantes apressados a nome de rua ou a estátua.

É por isso que em relação às primeiras impressões aposto no beneficio da dúvida.

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publicado por Carlos M. J. Alves às 18:27

III A língua de ponta a ponta

Sexta-feira, 06.07.12

Se quem tem boca vai a Roma, a língua é o livre-trânsito para lá chegar.

Sem querer ser indiscreto, como é a sua língua?

Atrevida? Espalhafatosa? Silenciosa?

Bem pode ter uma voz de ouro, mas isso não lhe evita precisar de uma língua a condizer. Mesmo uma língua desinibida não está livre de ter uma voz esganiçada.

   Línguas há-as de todos os géneros. A de sogra, por exemplo. O que perdem em diversidade de formas ganham aí.

   Para muito serve uma língua. Para dizer, para sentir, para tomar sabores, beijar, trocar. Pode ser contida ou boémia. Não usa fecho-éclair. Mas já houve casos de censura.

Por natureza, não vê, não perdoa, nem faz constatações. Põe-se, imediatamente, ao caminho.

Pode ser grosseira. De trapos. Afiada. Venenosa. Desbocada. Às vezes consegue-se torcer. Temporariamente, pelo menos. Pode ser subversiva. Corrosiva. Comprida.

Com um copo diz tudo. Solta-se. Não precisa de mais incentivos.

Com medo fecha-se em copas.

Se enervada diz o que não deve, sem bom senso atira-nos para a guerra.

Apaixonada emociona-se e chega a rebentar em pranto.

Uma trapalhada.

Pode ser muitas coisas. Para não falar na importância da saliva. Ou no seu maior pesadelo: a afta. Mas, comecemos pela ponta.

   A ponta da língua é o pior sítio para guardar alguma coisa. Um segredo. O que quer que seja.

É o primeiro sítio onde se procura. Não é de confiança. Lança-nos olhares. Não salvaguarda. Desmente-nos. Trama-nos. Facilmente se descai, colocando-nos em maus lençóis. É um deslize prestes a acontecer. Faz-nos engolir sapos por causa da sua leviandade.

Continuemos.

   A língua pode, também, não ter papas. Quando não se tem papas na língua acabamos tomados de ponta. São ocasiões em que ela consegue ser traiçoeira. Nalguns casos mais do que noutros. Ainda por cima não se treina. É assim e acabou-se. E de nada servem as admoestações.

   Uma língua sem papas, não ameaça. Atira-se. Não abre excepções. Não diz salvo seja.

É um murro no estômago.

Não perde tempo. Não torneia nem pensa melhor. Vai ao que importa. Não escolhe as palavras. Zás!

Agarra-nos pelos… e dá-nos um pontapé nos…

É um dedo bem espetado. Bem visível.

   Também não anda pelo tops nem pelas listas de best-sellers. Não é popular.

   Em alturas de estar sem papas a língua não se põe com coisas. Diz o que tem a dizer. O que lhe vai na alma. O que lhe mexe com os feles. Não guarda troco. E não perde tempo a fazer amigos. Não é para pipis.

É um: «Já estivemos a falar melhor!». Ou: «Para isso, nem vale a pena!»

   Uma língua sem papas não concilia. É frontal. Nem tem aspirações a diplomata. Por vezes falha até nas maneiras. Diz: «que se…», «barda…».

   Uma língua sem papas é temperamental. Aborrece-se quando não lhe ligam. Boicota. Não está à venda. Sai para a rua. Barafusta. Diz: «Basta!». Não olha para o lado. Nem faz vista grossa.

Como não consegue estar calada, não faz muitas contas às consequências e, por vezes, arrepende-se. Mas, já está! Não há volta atrás. Quando isso acontece temos a sensação de: «estou bem…».

   Como noutras alturas, mas especialmente numa época em que tanto há sobre o que falar [ele são os cortes, os aumentos de impostos, escândalos, os sustos, as incertezas…], uma língua sem o que dizer é uma língua inútil. E, sem ela andava toda a gente calada.

   Uma coisa é certa, em relação à língua, às vezes, o bom era que o que está na ponta, saísse sem papas.

Mas, a língua também tem tento. Embora, por vezes, acabe sem ponta por onde se lhe pegue.

 

 

 

P.S: E já agora, que tocámos no assunto. Que conversa é essa de não deixar comentários e de andar a falhar nas visitas? Peço desculpa, mas estava-me mesmo aqui atravessado. Na ponta da língua!

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publicado por Carlos M. J. Alves às 09:32

III Isto de ser pai...

Segunda-feira, 25.06.12

Isto de ser pai dava emprego a pelo menos mais três pessoas. Consome tempo e mão-de-obra suficientes. É uma canseira. Acrescenta rugas. Prodigaliza cabelos brancos.

Toda a gente quer ser o melhor. Fazer o máximo. Cortar a meta em primeiro lugar. Mas, temos sempre a sensação de andar com uma volta de atraso em relação ao exigido.

Não há aquecimento prévio. Ou treino. Nenhum sítio para aprender o bê-á-bá.

Dispara-se às cegas. E em todas as direcções.

   Lamentamos os nossos erros (diferentes, novos) e os do nosso pai (que jurámos nunca cometer), que nos podia servir de exemplo. Mas, se há ocasião em que a história se repete é na paternidade.

   Percebo agora porque os caminhos entre mim e o meu pai tantas vezes se descruzaram. Sem culpas a atribuir. Ele sendo pai e eu comprometido com a minha parte (de filho). Cumprindo-a. Escrupulosamente.

   Isto de ser pai facilmente baralha. E dá de novo. Uma vez o processo iniciado, não dá para não ir a jogo. Ninguém perdoa renúncias.

   Há tantas opiniões de como sê-lo, quanto o número de pais. Desacordo geral. De quem lamente ao ponto de estar convencido tratar-se de uma overdose sem as partes fixes associadas a uma vida de rock star. A uma experiência mística.

A minha opinião? Algures entre ambas. Às vezes não se sabe. Se dói. Se fique, se vá. Se grite, se chore. Outras, enganamo-nos. Exige procurar conselhos, quando os há. E inventa-se pelo meio.

Em certas ocasiões aprendemos com os erros. Mas, nada é garantido.

Resmungamos.

Duvidamos.

   Isto de ser pai tira-nos do sério. Troca-nos as voltas. Desconcerta.

Oprime. Nenhum lugar é seguro. Nada é sagrado. Em constante estado de sítio.

Constrange.

É um abuso. Desarruma-nos a casa e parte-nos a loiça. Toda. Os pratos de estimação são os primeiros.

Baba-nos.

Lixa-nos. Violenta-nos.

Obriga-nos a tudo.

Dá-nos umas merdas de umas noites. Uma porra de umas férias.

Vontades de...

Rebenta-nos com a vida social. Transforma-nos em bichos-do-mato.

Atrapalha-nos a libido. Seres assexuados. Arrependidos do pecado original. Pagando por ele.

Quando pensávamos que já estava...

Fugir nunca é a solução. É pena! Nem isso.

   Isto de ser pai é para acabar de vez com o nosso egoísmo. É de darmos a vida.

Se a gente pensasse bem…

Se estivéssemos atentos ao que fizemos ao nosso…

   É a paga de sermos filhos. Com juros.

De ter partido a cabeça naquele sítio. Perigoso.

Termos faltado com o prometido.

Escapado ao castigo.

Falhado com o trabalho final.

Atrasados para o compromisso importantíssimo.

Escolhido aquela namorada, com visual trash de Courtney Love. Recebida de dentes cerrados com um: «muito prazer».

Festejado até àquela hora. Sem telefonar.

Ficarmos parvos na adolescência.

   Isto de ser pai é estar sempre a aprender. É para toda a vida. E não se muda de campo.

É inexplicável.

Dá-nos a certeza de que tudo vale a pena.

Não tem preço.

É de não haver nada de mais importante.

É coisa para não trocar por nada.

Só passando por isso.

Recomendo.

   Isto de ser pai é, afinal, o melhor que nos podia acontecer.

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publicado por Carlos M. J. Alves às 18:17





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