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III Se eu fosse a ti, fazia o que eu digo e não olhava para o que eu faço

Domingo, 24.02.13

Todos já nos cruzámos consigo. É comum e espontâneo. Aliás, de cada umbigo proeminente, de um altruísta egocêntrico ou de algum bem intencionado sabedor surge sempre um "Se eu fosse a ti". Ele aparece em circunstâncias de dúvidas, intromete-se em momentos de fraqueza, afoita-se a propósito de hesitações e acerta o passo pela atrapalhação. 

     Por vezes é um gesto bem educado como o de abrir a porta às senhoras. No entanto, um "Se eu fosse a ti" torce o nariz. Tem a mania. 

É de quem não consegue ficar calado. De quem sabe ou acha que sabe da nossa vida e está convencido de que saímos a beneficiar com as suas opiniões. É um "Não devias ir por aí" e "Devias ser mais como eu".

Tem personalidade metediça e intrusa. É abelhudo, atrevido e até insuportável.

     Um "Se eu fosse a ti" acha que nos entende e acompanha-nos para todo o lado. É por nós. Um farol. Tem um lado bom: não quer que passemos vergonhas. Repreende-nos para o evitar.

Nessas ocasiões não dá troco a críticas negativas. Compreende a nossa posição e tem pena e consideração. É benemérito e serve para nos amparar.

       Um "Se eu fosse a ti" está sempre de olhos em nós e é todo ouvidos. Porquê? Porque acha que um dia pode estar na nossa situação e, por isso, é um "tu" que passa, temporariamente, a "eu". 

     Compara-se e preocupa-se connosco, dá-nos conselhos e põe-se no nosso lugar, reclamando experiência, pleno de maturidade. Esclarecido. Achando que sabe mais do que nós.

      Um "Se eu fosse a ti" encoraja-nos, calça os nossos sapatos, abre-nos os olhos, dá-nos a mão e oferece um ombro se as coisas descambarem. Podemos confiar em si porque é uma voz rezingona, amiga, frontal que não se coíbe e não dá com a língua nos dentes. 

Abre-nos caminho, faz as nossas vezes e tem vontade de ir à frente. Liberta-nos tensão para não nos saltar a tampa.

Tem ideias para nós e projectos. Identifica-nos as prioridades. É um "deixa-te disso", fraterno.

     Um "Se eu fosse a ti" faz juízos de valor  q. b., mas mais importante do que isso, dá hipóteses, pistas, apresenta opções, faz contas  e ajuda-nos a considerar saídas.

Põe-nos a tomar decisões, a fazer dietas, a cumprir prazos, a treinar para a maratona, a optar entre a Maria e a Joana, a escolher entre e a praia e o campo... manda-nos ver a febre.

     Às vezes passa das marcas e mete-se onde não é chamado. Chaga-nos, descompõe-nos e põe-nos as malas à porta. Repisa. É chato e desagradável. Troca-nos as voltas e dá-nos um discurso. Ou insinua "Faz como eu digo, mas não faças como eu faço!". Aí apetece-nos dizer: &%%&#*$#"!x. Mandá-lo dar uma curva. Perguntar-lhe por quem lhe encomendou o sermão.

Outras nem deve ser tido em consideração porque não sabe do que fala. 

   Se tivermos sorte um "Se eu fosse a ti", tem cuidado com as coisas que diz, insinua, desaconselha, faz reparos e ajuda-nos a enfrentar as contrariedades. Mas, por vezes, remete os nossos hábitos para o tempo das trevas, passeando-nos pelo lodo e por isso o melhor é não arriscar.

   A verdade é que apesar das boas intenções nem sempre fazemos caso de um qualquer  "Se eu fosse a ti". Esquivamo-nos. Ficamos com a Maria e a Joana. De manhã vamos à praia com uma e à tarde fazemos um piquenique no campo com a outra. Com 40 graus de febre.

Mas, nessas alturas e em especial quando as coisas correm mal, damos automaticamente de caras com um ainda pior:

"Eu bem te disse"                   

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publicado por Carlos M. J. Alves às 11:28

III Da marquise para a loja de decoração

Terça-feira, 29.01.13

Em termos de decoração considero-me uma tela em branco. Calcário com potencial para receber uma obra-prima ou barro impoluto. E, por isso, tenho dúvidas quanto aos programas que se lhe dedicam com fé equivalente à da busca do Santo Graal

     Um programa de decoração e remodelação afoita o esteta, abona o pouco prático, enaltece o bibelot, põe-nos a conviver com o enfeite, a fazer combinar o ornato, a desejar viver nas prateleiras da Moviflor e a aparecer nos catálogos do Ikea.

Vê-lo coloca as minhas sinapses em funcionamento flipper. Questiono para onde vai o que existia? Como sobrevive o que fica à chuva? A busca desenfreada pela simetria género irmãs Olsen em coluna de mármore acicata em mim um desconforto incómodo. Não me impressionam as audiências. Não vou em modas.

     Ao cair do pano, quando acabo de ver o episódio fico com a ideia de que tenho domicílio pouco apresentável e cheio de malinas de mau gosto. Habitualmente nasce em mim uma ira estética descontrolada e histérica. 

     Só um programa de decoração consegue meter um Taj Mahal numa arrecadação. Três Rossios numa só Betesga. Um Terreiro do Paço numas águas furtadas. De um T1 fazer um solar ou de uma sala de jantar uma abadia. Ficando, ligeiramente, aquém de uma Torre de Belém à escala.

     É um universo com colaboradores com capacidades de profetas aptos a andar sobre a água e que faz render metros quadrados como quem multiplica pães.

Uma equipa de pedreiros em dinâmica Zumba em vias de metamorfosear um hall de entrada em berçário e dando sumiço ao passado arquitectónico.

Siza e Neimeyer acoplados, com olho para cortinados e renunciando às opções anteriores. Ases da demolição e do trompe-l'œil, sem paciência para arrumos. Capazes de trocar o heliocentrismo pelo geocentrismo só para a varanda ficar de caras ao sol. 

Ou abrir o Mar Vermelho e no intervalo conquistar mais duas assoalhadas. Arautos do quintal subaproveitado, do jardim crespo de erva daninha, do anexo em ruínas.

Gente apta a negociar com a viga mestra. Lançando ultimatos a azulejos e optando pelo open space. Abdicando da lareira e fazendo a garagem debaixo do lava loiça.

Recuperam linóleos a frascos de soro.  Convencem em relação a cores leves por questões de jovialidade e tratam a luz como Visconti captando o essencial. Acrescentam espelhos para dar ares de... alcatifam, derrubam, implodem...

Fazem intervenções venosas ao nível das humidades para desaparecer com o ar de barracolândia. Vidro e aço para modernizar. Cortiça para aportuguesar. Paredes falsificadas. Mais o kitsch, a arte nova, o importado, o arraçado, o "até parece que..."

Tudo em harmonias de Nana Mouskouri aplicável em camadas finas. Contornando canos e instalações eléctricas. Mudando funções e localizações.

Vida mudada, calaftada e em aplicações stencil ou papel de parede lavável. De marquise refeita e em ambiente loja de decoração.

O que mais se poderia desejar?

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publicado por Carlos M. J. Alves às 16:03

III O Inverno do nosso descontentamento*

Sábado, 19.01.13

A partir de certa altura se ela era interior passou por um raio X especial que a deixou à flor da pele, deixando perceptível as linhas com que a nossa vida se cose e um habitáculo penalizado pelo acumular de geadas e maresias hostis que o fato Giovanni Galli alicia com sucesso comparável ao da participação portuguesa num Festival da Eurovisão.

A idade, claro! Que nos relembra a varicela que nos atacou como uma Blitzkrieg implacável cruxificando-nos sanguinária até à fronteira das axilas, pondo-nos em bicos dos pés para conseguir a salvação. Que nos cobra até pastéis de massa tenra antigos. Que nos atira à cara: "Continuas cá hoje, mas não me esqueci da festa de ontem!".

Por ela passamos a viver paredes meias com o plebeísmo de bactérias e vírus comedores da nossa carne e ânimo.

Ficamos com costas próprias de aleijões e músculos activos em minoria. A nossa sobrevivência miocardicamente ameaçada. A definição dando lugar à deformação. O vigor à dificuldade em atingir com sucesso o terceiro andar sem elevador.

A arrogância do drama do quebradiço das unhas deixa de ser um caso de vida ou morte para a inevitabilidade de um ataque diabético o ser, efectivamente.

De hálito falso exalando eucalipto em pastilhas ambientadoras poderosas.

A pele amarelecendo e ganhando sinais extra como buracos suplementares num green pejado de filoxera. 

Um sistema imunitário em condições não aceites por um frequentador assíduo do eBay.

Os fémures encolhendo e degenerescências várias eclodindo. O queixo em reunificação com o pescoço. O estômago com restos da feijoada de 1985 em vinha de alhos marinando sucos auto-destrutivos, em auto-flagelação gástrica. O colesterol em negociação com as morcelas de arroz ingeridas. Acuidade visual pitosga. Os alvéolos em asfixia continuada devido ao sedentarismo. Bipedismo manco. O cabelo movimentando-se no sentido do centro do crânio, como placas tectónicas arrastando-se angustiadas e as pontas outrora espigadas, desaparecendo pela força erosiva dos anos. 

     Em relação à idade somos uma comadre maldizente, garantindo que se ela não existisse não devia ser inventada.  Com disposição de "Só me saem é duques!". Tentada em trocar a maturidade e a sabedoria por tréguas ao nível dos incómodos da anca. Desfazendo-se dos ruídos orgânicos enigmáticos, salivações estranhas, febres diabólicas. Tomando a dianteira num cortejo de mezinhas para dores e unguentos para mal estares. Afreguesada nas lucubrações e impropérios de quem clama: “Quando chegares à minha idade!”.

Alertas vermelhos e amarelos distribuídos de norte a sul pela cabeça, tronco e membros. Vento forte ao nível pulmonar e  da tensão arterial, aguaceiros prolongados ao nível hepático, humidade ao nível da sinusite...

     Uma coisa é certa, com o passar dos anos os aniversários deixam de ser primaveras para se tornarem o inverno do nosso descontentamento.

 

*A propósito do filme Amour (2012) de Michael Haneke.

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publicado por Carlos M. J. Alves às 12:11

III Salde-se quem puder!

Sábado, 05.01.13

Há alvoroço junto à secção das peúgas, paredes meias com os peúgos aos losangos. A menina-que-está-a-tomar-conta-das-gangas é amorosa e uma óptima embaixadora da boa vontade para os 50% de desconto e leva velocidade de INEM ao chegar ao local. Pergunta, pronta com ares de funcionária do mês:

- Em que posso ajudar?

Ninguém responde e ela ainda mais pronta do que antes riposta, exacerbando calmas:

- Chega para todos!

     Uma correria desenfreada aos trapos despontou logo à abertura. Uns chegam mais bem preparados do que outros. Veem-se listas  nas mãos dos mais metódicos e folhetos sublinhados com escolhas feitas de véspera nos mais organizados. Há quem apareça com orçamento miúdo e quem arrisque a bancarrota se baixar a guarda quando passar perto dos blazers da última colecção.

     Um homem contagiado à última da altura pelo espírito sôfrego do "bom preço", encolhe, à socapa, quinze quilos do abdómen como se fosse o primeiro dia do resto da sua vida, até lhe servirem umas calças de terylene com  desconto de 30% para quem tiver cartão cliente.

     Esgotaram-se os M da campanha das camisolas interiores do corredor do fundo onde estão, também, os soutiens daquela empresa do norte que faliu. O S, também parece que está por um fio. Uma mãe barafusta com a colega da menina-que-está-a-tomar-conta-das-gangas por já não haver o número da sua criança recém-nascida que já anda perto de ter corpo de uma de três. Consta que sai ao pai que está empenhado algures no Centro a conseguir um colete para latagão, sem mangas, para lhe proteger os brônquios cobiçados pela frialdade das noites em que chega tarde, depois dos desafios concorridos de bisca lambida, no café do Antunes, que só não está com ele porque não vai em modas.

     Às treze horas um pelotão pedala enfurecido até ao monte de camisas de flanela axadrezadas.

Vindo das quinze horas o grupo da frente chegou isolado, com um avanço de pelo menos três minutos às bombazines.

     Uma adolescente continua a arfar histérica frente a uma tshirt estampada com a Lady Gaga trajando dezasseis quilos de polpa da alcatra que dança nas mãos vitoriosas de uma concorrente da escola rival que a acabou de agarrar e que está convencida que irá lindamente com uns sapatos de prateleira que estão duas prateleiras a norte. 

     Alguém cortou a curva por dentro ao sair desiludida de perto das caixas dos artigos com defeito e atirou-se aos pullovers de pura lã virgem. Dizem que são tão bons que há quem jure que ainda ouve as ovelhas balindo. 

     A idosa que se agarrou aos collants pretos espanhóis deu um encontrão violento a uma mulher que apanhou a última mala com pele a imitar cascavel e arriscou-se a uma falta perigosa mesmo à entrada da pequena área dos casacos de malha que ficam mesmo na fronteira com a secção da menina-que-está-a-tomar-conta-das-gangas.

     O  hipster de bigode camiliano perdeu a cabeça no corredor dos hooded tops. Aqueles com nomes de universidades americanas e inglesas.

     O namorado da menina-que-está-a-tomar-conta-das-gangas tirou um bocadinho da sua rotina de quem tem que andar de sol a sol ao tostão para a ir buscar e aproveitou para comprar umas camisolas baratas para o trabalho.

    O hipster de bigode camiliano está descontrolado por ter percebido que a camisa axadrezada nº40 que tinha acabado de namorar tem uma mancha que parece tintura de iodo.

    Será que a gula também se aplica às écharpes?  Estou a pensar na minha vizinha, que Deus tenha a sua alminha em descanso, que não falhava a um dia de saldos e que as tinha lindas.

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publicado por Carlos M. J. Alves às 20:49

III Porque o pequeno-almoço é a refeição mais importante do dia

Sexta-feira, 23.11.12

Após a intimação por  email e telefonema, dissuadindo da desistência, chega o dia da comparência. Aperaltada e confirmada.

Embarcando em auto (com pouca fé), farsa acima, farsa abaixo, ensaiando cumprimentos, distribuindo saudades, simulando interesses, confundindo nomes e locais, entro e escolho um dos lados.

   Dá-se, imediatamente, conta de overdoses de  filé mignon e bebedeiras de beijos e abraços.

  Há marialvas avançando, aos solavancos, pelo desenrolar dos acontecimentos, instigados pela esperança na generosidade ninfomaníaca e picos de testosterona.

  Conta-se com o habitual parvo. Mais decotes afogueados. E o bem relacionado falador, o bem-sucedido maçador, o bem intencionado apaziguador, o giro e a gira, o diplomata, o desbocado, o toxicodependente revivalista, a púdica, pares de lésbicas confirmadas e a despontar pelo ambiente de conversa de circunstância em tónica easy listening.

Uma arca de Noé recheada de diversidade socializante: simpática, intriguista, tímida, extrovertida ou histérica.

   Logo à entrada dá-se de caras com mamas falsas, magreza aspirada, boa-disposição fingida, cinturas finas recentes e carreiras extraviadas

   O anfitrião, com sorrisos de todos os tipos, eleito de véspera, vai abrindo alas para o à vontade. Dá um jeito à cerimónia e deixa escapar salamaleques. Entrega boas-vindas em espírito tão-lindos-que-nós-eramos, ajudado por alguém com motivação um-por-todos-e-todos-por-um e um banqueiro do endividamento em busca de novas oportunidades, sustendo a respiração para encolher o abdominal descontrolado.

   Há olhares vários perdendo-se pela sala: lúbricos e de que-merda-de-ideia-que-eu-havia-de-ter. Mas, também, de onde-é-que-eu-estava-com-a-cabeça e porque-raio-é-que-eu-não-arranjei-uma-desculpa?. 

  Um conviva de tipo a-bomba-que-lá-está-fora-estacionada-é-minha, de sucesso suíço de vários quilates no pulso, envolve-se, invariavelmente, em altercações com um adeus-e-até-para-o-ano e um se-isto-não-der-molho-não-vale-o-dinheiro. Há, também o grupo dos que pesavam menos à entrada do que em casa, em dieta continuada e esforçada. E crianças, muitas crianças. Fugindo às ex-grávidas do ano anterior.

   Os menus são de custo controlado e o bufet  é intercontinental e disputado tanto por jovens até à baba de camelo, sóbrios até à conta, divorciados em recuperação, empertigados, sonsos, joviais e vingativos com contas antigas a ajustar, como por gente com cara de dantes-é-que-era-bom e nunca-mais-me-meto-noutra.

   Alguém da pandilha das lésbicas confirmadas, usando pulseiras-quase-iguais-às-originais, com tudo a combinar, olha de soslaio para a voz que suspira cacofónica para baixo do pescoço: "São novas, são novas!" - questionando-se: "De onde é que eu conheço aquele rabo?".

   Em torno do evento forma-se uma recordação colectiva pungente, pelos tempos do já-vimos-tudo-e-sabemos-o equivalente. Quando o desafio maior era manter o equilíbrio, conquistando-o em toques numa bola de catchum.

   Farto, despeço-me do parvo, dos marialvas, dos decotes afogueados, do bem relacionado falador, do bem-sucedido maçador, do bem intencionado apaziguador, do giro e da gira, do diplomata, do desbocado, do toxicodependente revivalista, da púdica, dos pares de lésbicas confirmadas e a despontar, dos jovens, dos sóbrios, dos divorciados em recuperação, dos empertigados, sonsos, joviais e vingativos com contas antigas a ajustar, da gente com cara de dantes-é-que-era-bom e nunca-mais-me-meto-noutra, dos que continuam convencidos tão-lindos-que-nós-eramos e com motivação um-por-todos-e-todos-por-um, da trupe simpática, intriguista, tímida, extrovertida ou histérica da arca de Noé socializante e dos que continuam a lançar olhares: lúbricos e de que-merda-de-ideia-que-eu-havia-de-ter, onde-é-que-eu-estava-com-a-cabeça, porque-raio-é-que-eu-não-arranjei-uma-desculpa?.

Cruzo-me, ainda, com o se-isto-não-der-molho-não-vale-o-dinheiro e pouco entusiasmado com mais ambiente de conversa de circunstância de tónica easy listening  e por contaminar pela recordação colectiva do já-vimos-tudo-e-sabemos-o equivalente digo: "até para o ano!" - e saio com o colega de a-bomba-que-lá-está-fora-estacionada-é-minha que está farto de esperar pela generosidade ninfomaníaca que ficou "presa" numa "reunião".

   Razões mais do que suficientes para, em relação a almoços ou jantares de curso ou liceu, preferir o pequeno-almoço. 

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publicado por Carlos M. J. Alves às 09:26

III Genealogicamente morto

Quarta-feira, 21.11.12

Em relação a genealogias, prefiro o desconhecimento. Dou-me bem com a ignorância. Luto pelo anonimato. Prefiro passar despercebido, ser confundido ou, simplesmente, que não se lembrem de mim.
   Não me preocupam as origens nem me atormentam estirpes perdidas ou sofro de desejos de intimidades com antecessores. Não estou interessado em desenterrar tetravós, como campeonatos acumulando-se, vitória sobre vitória, tri, tetra, penta ou hexa que é como quem diz avô, bisavô, trisavô, tataravô.
Não tenho motivação.
Não invejo condados, principados ou títulos nem suspiro por gerações alheias.
Não quero arranjar mais um familiar a D. Afonso Henriques ou remontar a Cristo.
Não quero angariar Joanas D'Arc ou ficar a contas com uma parcela do pinhal de Leiria, ainda por plantar, por herança antiga e desconhecida.
   Genealogicamente estou bem como estou, não sou ambicioso.
Não preciso de mais ninguém nem estou com ideias de ir ao mercado de Inverno para suprir faltas.
Em termos familiares tenho número suficiente de efectivos para não fazer má figura.
Não me apresentem semelhantes, porque não  preciso de mais primos extra para encher o Pavilhão Atlântico.
Não vejo necessidade de recuar até à reconquista cristã nem quero tirar ninguém, à pressa, da fogueira para acrescentar à lista de antepassados, acabando o mundo a girar ao contrário.
   Estou genealogicamente saciado.
Não quero subir a pulso, dinastia a dinastia acima ou ir descendo por si até atingir a cepa principal. Ou, muito menos, estar implicado em descobertas ou criações que não me pertencem.
   A genealogia é um risco. Não quero surpresas desagradáveis ou melindres. Acabar com mouros à perna ou espanhóis ressabiados no meu encalço.
   A genealogia traz poucas vantagens e não vejo que faça receber mais postais pelo Natal.
Não compreendo a excitação.
Não ando à procura de regurgitar burguesias, nem desencantar princesas a preço de saldo. Não sou condescendente com a nobreza e não quero acabar escudeiro.
Em relação a monarcas, sou exigente e não me revejo em certos presidentes.
Não quero coleccionar Sanchos nem acumular Afonsos. Perder-me entre algum Fernando ou Sebastião.
Genealogicamente não vou por aí.  
Também, não vou dar para mais peditórios por ter descoberto um santo.
    Não me aventuro em genealogias. Não preciso de angariar reinos espaçosos com o IMI por regularizar. Ficar a braços com reavaliações de castelos em meu nome.
A verdade é que não tenho aspirações cortesãs. E, em termos de sangue, estou, perfeitamente, feito à ideia de que o tenho vermelho e de uso corrente. Em azul teria menos com que o combinar.
   Vivo bem com a ideia de que a família passou à história. Receio dar com os parentes na lama.
Não sei o que fazer com novos membros. Tias por tias, fico com as que já tenho.
Nos tempos que correm quem precisa de mais lugares à mesa?
Tenho consciência de que não sou genealogicamente empenhado mas, o que perco em parentes poupo em postas de bacalhau e rabanadas.
   Sou genealogicamente desinteressado. Não quero chegar a um Elvis em princípio de carreira ou conquistar elos perdidos. Dispersando-me por continentes e acabando dividido entre países.
Em termos genealógicos dois ou três ramos chegam-me, perfeitamente. Não preciso de uma árvore inteira só para mim.
Vou até mais longe, genealogicamente prefiro estar morto.

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publicado por Carlos M. J. Alves às 15:15

III O futuro tem os dias contados

Quinta-feira, 15.11.12

Ultimamente o meu destino disparou noutra direcção, seguindo um caminho diferente do meu. Tem-me em rédea curta.

Porque o afirmo? Nitidamente, não ando de boas relações com o meu horóscopo. As previsões saem furadas. Casas trocadas, ascendentes contraproducentes e os reembolsos pelas expectativas criadas andam em atraso.

A razão? Não sei.

Mas, sinto-me prejudicado pelo presente. O meu quotidiano anda de má vontade comigo.

Isso é evidente.

O dia-a-dia só empata. Por causa dele o meu futuro avança ziguezagueando a meio gás. É vê-lo desaparecer ligeiro na linha do horizonte, rumo à terra dos sonhos desfeitos, enquanto eu fico preso numa nacional congestionada, desesperado e perdido na fila, no meio de transitários atrasados para as entregas de azulejos.

  Assim, o meu futuro nunca me irá parar às mãos. O que era para mim já não me está reservado. Anteciparam-se. Foi apanhado pelo rumo dos acontecimentos.

   Condenação e apocalipse surgem na minha cabeça. E um milhão de anos serão precisos para lhes escapar. O tempo não está do meu lado.

  A minha palma da mão anda em brasa. As minhas opções desvalorizaram. As possibilidades, também, foram revistas. Oportunidades sangrando mortalmente. Ando a perder linhas vitais ou, pelo menos, acabaram cruzadas, engalfinhadas entre si, lutando pela primazia.

Uma tremenda confusão seguida de desilusão!

   Deixei de ter um universo de possibilidades para acabar com uma via láctea minguada, vários planetas abaixo das minhas necessidades.

O meu futuro enguiçado está Merkelizado.

Merkel a ti Merkel a mim, anda de austeridade em austeridade, de corte em corte. Cinto apertado estrafegando as gorduras acumuladas e entrefolhos passajados, com a dignidade novamente tapada, cozido que está o rasgão provocado pelo esforço extra.

   A minha esperança reside na renegociação. Que me fechem os olhos à falta de iniciativa. Que me perdoem anos de menor dedicação. Que a idade seja, realmente, um posto.

Enquanto isso não sucede, sinto o BCE de olho em mim.

Bruxelas mudou-se para minha casa. Temo as avaliações da Troika, por poderem acabar considerando, incrédulos, que em relação ao meu futuro tenho mais olhos do que barriga, que não tenho vida para o ter (quanto mais manter). Tenho que cortar nas despesas. Demonstrar boa-vontade e abdicar de, pelo menos, uma década de empreendimentos e ambições. Ficar-me pelas transmissões da RTP. Mandar um emprego para toda a vida às urtigas por troca directa com um a recibos verdes. Ficar a marcar passo. A ganhar vez nos projectos. Sem exigir ser maravilhado por um porco a andar de bicicleta ou passear na Toscânia. Ou em ânsias “vem ao papá, meu futurozinho”. Continhas feitas e aprovadas, provando as minhas capacidades e competências.

   Preciso, urgentemente, de uma transfusão de incentivos fiscais. Que me tomem o pulso ao spread.

De um anti-tússsico para o catarro da formiga. Do vil metal para a minha conta bancária anémica arribar.

   Felizmente, sou dos que acha que o futuro se impacienta mais com conjunturas políticas e económicas do que com problemáticas com Marte ou Venús. Ou de Júpiter à salha com Saturno. É mais evidente em memorandos do que na leitura de linhas dextras. Para não falar em ases e jokers.

Paro o diabo com os astros!

A quiromancia está em crise. A astrologia está por um fio. Do tarot já ninguém fala. Os juros continuam galopando enquanto se negoceiam constelações.

A superstição só serve para passar o tempo, enquanto se espera que o barbeiro nos apare as pontas e vamos lendo o signo na revista, desejosos que chegue a nossa vez.

Chega-se mais facilmente ao futuro pelo PIB do que pelas cartas astrais.

A austeridade avança biorritmo acima.

O futuro tem os dias contados. Mais vale um presente tranquilo.

Não consigo ver as coisas de outra maneira.

Afinal, sou gémeos.

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publicado por Carlos M. J. Alves às 19:17

III A sorte quando nasce não é para todos

Terça-feira, 06.11.12

 

O bom senso é a coisa do mundo mais bem distribuída: todos pensamos tê-lo em tal medida que até os mais difíceis de contentar nas outras coisas não costumam desejar mais bom senso do que aquele que têm.

Descartes

 

 

Tenho, claramente, problemas com o Espírito Santo. É, igualmente, evidente que não consigo enfrentar milagres.

Em bom rigor, não estou para acasos. Maus-olhados e superstições nem por sombras. A sorte é uma farsa e adventos de última hora ou surpresas que me estavam reservadas, nem pensar.

Não tenho personalidade adequada para pseudo-ciências nem físico resistente às agruras da crendice.

Não vivo para coincidências nem me revejo em azares. Quanto a elixires e mezinhas, não obrigado.

Também não bato três vezes na madeira e recuso-me a ter de entrar com o pé direito em qualquer lado.

Caneta da sorte não tenho. Ferradura atrás da porta nunca usei.

Como é fácil de entender zombo de propósitos místicos, céus em risco de cair sobre cabeças incautas, horóscopos prevaricadores do livre-arbítrio e não me impressionam as conjunturas astrais. 

Não acredito em escadas ou escadotes que nos encolhem se lhes passarmos por baixo nem em anjos da guarda cândidos ávidos por boas acções, zelando inocentes, 24 horas sobre 24 horas, por nós.

Na minha opinião, a matemática não se compadece com números da sorte e não há nada de especial em trevos de quatro folhas mesmo que a falta de abundância o faça supor.

A única coisa que há de expectável numa sexta-feira 13 é um sábado 14 e se eu tivesse notas de 50 euros por cada vez que já me anunciaram o Apocalipse estaria multimilionário. 

   Sou racional. Sinapses em brasa. A razão é a única coisa que me dá garantias. Causas e efeitos são a minha perdição. O tino é o único sustento seguro do espírito. A levando, inevitavelmente, a B. 2+2 teimando em ser 4.

Dou mais para a lei e para a regra do que para o sobrenatural. Para a clareza e distinção do que para o obscurantismo.

A fé não tem hipóteses ante um raciocínio. A crendice atrapalha-me a dedução.

O futuro conquista-se neurónio a neurónio e paga-se em lógica usada.

   Sofro de iliteracia no que diz respeito a ler sinais. Os avisos passam-me ao lado e se já me cruzei com a chave do Totoloto, não dei conta.

   Não tenho olho para algarismos da sorte e não frequento terreiros de adivinhação nem o Bingo.

Não cedo o pescoço a amuletos, não vou em conversas de pitonisa, não me encolho a vaticínios, não acredito em zodíacos, não acendo velas, não alinho em sorteios nem perco tempo com prognósticos.

Ah, e como já insinuei não tenho interesse na sorte, porque não traz vantagens evidentes.

Digo mais, é um rafeiro que não conhece o dono. E fica aquém das minhas necessidades, vivendo de desencontros e mal entendidos.

Só gera confusões! 

Não me ajuda e só me prejudica no verde dos semáforos ou no mudar o filtro da máquina do café que me calha sempre a mim, por minudências de mau timing. Para si não sou uma prioridade. Não vai por mim. Entregar-me a si é resignar-me a uma longa lista de espera. Só serve para me fazer perder tempo.

Já percebi que só aparece para alguns e para as coisas boas. O jackpot do Totoloto, por exemplo. Onde é que ela está quando a pulseira da criança que tinha o fecho estragado cai na sanita? A sorte é, de certeza, mediática, não se empenha nas frugalidades do dia-a-dia.

Raspadinha a raspadinha, jogo branco a jogo branco vou desfazendo as dúvidas e conquistando fiéis.

Pelas mesmas razões (ou falta dela, a razão, claro está) recuso o destino. Por ser algo que pode claramente, prejudicar-me.

   Avanço por conta de reflexões. Decido, ponderadamente. Cogito. Encontro razões. Penso. Sem perder a direcção.

O meu destino dá muito trabalho e só tem 22 dias de férias por ano.

  Mas, às vezes, num dia particularmente difícil ou em alturas de maiores dificuldades, fico a matutar se a racionalidade não está sobrevalorizada. E aí o que eu não dava para que houvesse uma estrela que brilhasse só para mim.

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publicado por Carlos M. J. Alves às 19:17

III Os favores são para sempre

Sábado, 27.10.12

Os favores pedem-se sempre da mesma maneira: "Se tu fizesses", "se tu emprestasses", "se tu fosses". Temerosos ou não, desconsideram orgulhos, sem rodeios, com calma ou de uma vez por todas, a possibilidade de fazer sozinho.

Exigem lata, cara-de-pau e só são limitados pela vergonha e pelo "não".

São preferíveis à desistência, ao abandono, à incapacidade e até há coisas que só se conseguem na base do favor, o que os torna importantes. 

   Um favor é de dar um jeitinho, um empurrão, ter uma atençãozinha. É um coça as minhas costas que eu coço as tuas.

Têm um problema, uma dificuldade, um senão. Os favores nunca se pagam. Eternamente por saldar, acabam por ser lembrados. Os favores são para sempre, se calhar não compensam.

Rebentam-nos com a independência, ficam-nos com a liberdade, cortam-nos a emancipação e são uma ameaça para a consciência.

Um raminho de salsa que se pede é um canteiro que se fica a dever. Dois ovos para uma omelete rápida passam com o tempo a uma família de galinhas poedeiras da melhor qualidade com postura média de três gemas por unidade produzida.

Um pacote de natas ou um litro de leite magro de empréstimo e passamos a ter à perna  as fábricas Mimosa.

Um pedido feito em pânico, devido a uma emergência de última hora, para ir buscar o mais novo ao infantário, permanece impagável até, pelo menos, à idade adulta do infante.

   Os favores nunca se pagam. Atiram-nos à cara, colocam-nos aos nossos pés, fazem-se valer do direito de plena retribuição ou restituição, exigem reciprocidade, fazem conta aos juros e acrescentam encargos.

Quem concede favores fica à espera. Não perdoa a quem fica a dever.

    Favores mais vale arranjar maneira de os contornar, de passar sem eles, de não haver necessidade.

   Um favor é sempre maior do que supúnhamos. Paga-se caro. Não se esquece porque tem memória de elefante. Quer sempre algo em troca, lembrando que um amor com amor se paga. Fica a reclamar vez e a dizer entre-dentes: "Não perdes pela demora". São contas por liquidar que vão sempre para lá do que nos coube. Ultrapassam o concedido. Ganham-nos em quilos por regularizar, em força, em tempo.

Com o tempo aumenta a proporção e uma chave inglesa exige retorno em efectivos Bosch e Black & Decker numa relação de 500 para um.

    Um favor é uma dívida por pagar. Um encargo. Uma renda. Exige dar de volta. Retribuição. Pede equivalência, prioridade. Não precisa que o lembrem pois está sempre presente, nunca desaparece.

    Um favor compromete, exige que em certa altura se esteja, se faça, se empreste, se dê, se consiga, se pinte, independentemente da hora, possibilidade, capacidade, porque houve um dia que, um momento em que...

Mais vale comer os Chocapics a seco, esquecer a falta que fazem os coentros.

     Há, ainda, quem mereça mais que lhe façam um favor e há quem passe a vida a pedi-los, abusador, atrás de um favor vindo outro e outro e mais outro. Sem nunca acabarem. Criando hábitos. Continuamente a fazerem-se às nossas costas, às nossas molas da roupa, ao nosso corrector.

    Também há favores mais difíceis do que outros (de pedir e fazer), mas todos apelam à boa vontade, à disponibilidade, entreajuda, solidariedade...

    Pelo dito e não dito, os favores deviam ser referendados. Alvo de uma vacinação. De uma campanha que os votasse ao descrédito. Deviam dar origem a penitência, a castigo dos deuses. Exigir o compromisso de quem concede o favor não poder exigir em troca ou haver número mínimo e com limitações. Existir um máximo de favores que se poderiam pedir no tempo útil de vida.

     Em relação aos favores, prefiro que não mos façam. Se faz favor!

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publicado por Carlos M. J. Alves às 10:35





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