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III A glamorosa vida com um robot de cozinha

Segunda-feira, 13.08.12

Cumprimentou-me sorridente. De dentes luzidios sobrando e cabelo, novo, à Björn Borg, saído de 1980. Loiro súbito. Lembrando quando distraímos John McEnroe, provocando-o a partir do meu sofá, só para lhe roubar o Grand Slam e colocar Wimbledon aos pés do sueco.

Eu recordando-o em bate-boca aceso comigo, aos nove, sobre quem tinha o predomínio em poderes: o homem aranha ou o de ferro. O de ferro derrotando tangencialmente.

Alegre. De sportswear jovial. Varão novo. Disponível. Em circulação. Fresco e magro. Curado das escoriações na auto-estima. Esquecido dos tempos do: "A minha mãe bem que me avisou acerca de ti!", "Gostava de saber para o que é que me serves", "Não dizes nada porque não te importas!". Esgotado. Domado. Imolando-se na auto-comiseração ante a praga de gafanhotos recriminatória, avançando à tripa-forra. Perguntando-se: "Onde é que eu estava com a cabeça?!". A descambar. Em dores lancinantes. Pronto para fazer mossa. Ir comprar cigarros e não voltar. Desarriscar-se de sócio. Uma lástima.

Eu com os olhos lassos, prostrados no chão, fugindo, sem assumir posição. Simulando distracção. Dividido. Sem tomar partido. Avesso aos lados. Surdo para as injúrias. Contaminado pela filoxera.

Ele olhando para mim, esmolando auxílio, plácido. E eu a dissuadi-lo de me ver como aliado. Mandando-o para o grupo dos do casamento em vias de desenvolvimento. Olhando-o com a condescendência de: "Quem te dera a ti!". Insinuando: "Para a minha, só do melhor". Provando-lhe merecer a camisa engomada. Embaraçado por não ter dado como devoluto o lixo da cozinha e casas de banho.

Dando-lhe com os olhos a ideia: "Tens muito que aprender!". Afiançando-lhe: "Bonito serviço!".

Ele estudando-me, sitiado, pedinchando socorro afectivo e eu mais Sancho que Quixote, indisponível para gigantes alheios: "É que se está mesmo a ver!".

Agora, ali, sarado. De grilhetas desfeitas. Em glória. De pelo recauchutado. Polido. Perfumado em cocktail botânico chuviscando bergamota e lavanda. Bom partido.

Sorridente. Porte escrutinado pelo ATP. Novamente solteiro. Revirginizado. Vitorioso. VIP.

"Então?"

"Há quanto tempo!"

"Desde que vocês...", insinuei, sem coragem para perguntar o habitual: "Como é que te estás a aguentar?".

"Pois..."

"Que fazes?"

"Fui comprar umas coisas para fazer o jantar.", afiança erguendo as mercas, deixando a nu os botões refulgentes de dinastia ignorada e vegetais de três continentes, aparecendo dos embrulhos.

"Mas tu não cozinhas.", comentei admirado de o ver desertando do "Hoje há conquilhas!" que frequentava em datas de soltura.

"Isso era quando estava com ela... agora com as festas e tudo mais..."

"Qual é o segredo?", inquiri, estupefacto.

"Comprei um robot de cozinha.", esclareceu como se tivesse subjugado, com um cyborg em protótipo, a última fronteira da gastronomia, cortando, ralando, cozendo e estufando até à liberdade humana plena em output pantagruélico estável e constante. Resvalando no maracujá, trufa ou risoto milanês. Ofertando consomé. Rendilhando comezainas. Em Tordesilhas marcando um antes e depois da máquina.

 

 

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publicado por Carlos M. J. Alves às 09:26

III The eighties [Não há tempo como o nosso?]

Sexta-feira, 13.04.12

Vendo as pessoas subindo e descendo a rua, aproveitando um domingo lisboeta, observamos em actualizações em Real Time um desfile de nostalgias retro: anos 50, 60, 70, 80, 90 e 2012 chic.

Capazes de jurar ter ouvido alguém dizer: There goes Madonna (like a virgin). Abalados por ver um James Dean trashy, virando a esquina, quase derrubando um Robert Plant waiting to happen. Um encadeamento de momentos Kodak em aposta Bonnie M. reminiscência Rivers of Babylon com intermitências Daddy Cool ou Donna Summer recauchutadas. Assombros antigos  made in Top+ ou Top of the Pops. Revivalistas do Saturday Night Fever. Há, também, ressabiados do Rockabilly. E Janis Joplin brilhando em luz Woodstock forever. Saudosistas de anos a que não pertencem. Madrugadores de uma maturidade longínqua. Sinto-me tentado em pedir-lhes o passaporte para uma época que não é a sua. Mandá-los para trás por falta de idade. Exigir-lhes as autorizações necessárias. Dar-lhes ordem de despejo. Desalojá-los.

Tenho pena! São tenrinhos. Falta-lhes a voz da experiência. Vivem em falsete fininho. Não têm a barriga em formato hat-trick para provarem ter lá estado. Terem passado pelos anos.

   Há coisas que nos pertencem por direito próprio. Ninguém pode aproveitar-se delas. É o que acontece com os «nossos dias», o «nosso tempo». Onde fica o «no meu tempo é que era bom»?

   Toda (?) a gente tem uma época dourada. O seu fim do arco-íris. A sua terra do leite e do mel. A minha escolha óbvia em termos de época seriam os anos 80. A minha golden era. Por uma questão de idade. Não é o caso. Renuncio (quase na íntegra) ao período compreendido entre 1 de janeiro de 1980 e 31 de dezembro de 1989. Estou interessado em pedir transferência para pelo menos os anos 90. Não estou virado para grandes incursões históricas, renascentistas ou outras. Serve-me perfeitamente uma década já vivida. Dez aninhos de já conhecido. Tudo menos os anos 80. Auto-voluntario-me para uma transfusão sanguínea que me limpe o sistema de alguma contaminação que teime em perdurar. Exigo Format às memórias remanescentes do cubo de Rubik, Spectrum e Break dance. O tempo não apaga tudo. Há que ser cuidadoso.

   Os anos 80 são como aquela música má que começamos a cantar no duche e continuamos durante o resto do dia. Ou o perfume barato, da promoção, que nos ficou na roupa quando viajávamos no 36 transviado do passageiro do lado que abusou dele em dose XXL.

É precisa cautela para não permanecerem em nós, num inusitado my dear old eighties.

   Quando oiço David Fonseca cantar i should have met you in the 80's back when i was the dance floor queen, em The 80’s,  de Between Waves, entusiasmado como se a época lhe desse o conforto de um there´s no place like home, desconfio. Só aceito se as forças cósmicas se conjugaram de modo diferente e o reclamaram para um universo diferente.

   Consultando o maná de informação que dá pelo nome de Wikipédia encontro para falência algum paralelismo com a minha incapacidade de na altura cumprir com obrigações patrimoniais em relação aos cinemas Lusomundo(?) ou vinis da Polygram e ao nível do sportswear com marcas como a Nike. Falido, com cara mendigando Clearasil e hormonalmente em convulsão seriam algumas das características dos idos anos 80. Oh, cruel tentação!

Junta-se, à época, uma insuportável Wall of sound de sucessos à base de George Michael, Boy George, Lionel Richie, Spandau Ballet ou Bananarama em abuso Phil Spector de imitação, Pop manhosa e ambiente Beat It.

   No filme da nossa vida os anos 80 devem ser, unicamente, considerados o aquecimento prévio. Um arranque ténue. Um mal necessário.

   Em relação aos anos 80 mais vale trancas à porta. Adoptar pose vade retro. Réstias de alhos ao pescoço e crucifixos à mão para o mal não voltar a entrar. Exige-se uma emulsão purificadora num Ganges próximo. Um baptismo renovado num Jordão caseiro.

   Se um dia as viagens no tempo forem uma realidade e os anos 80 um destino possível contem comigo na oposição. A anos-luz de distância de Tina Turner.

   Não tenho nada a ver com J.R. Ewing. Tenho pesadelos em que volto a ver David Hasselhoff, monopolizando a RTP1, a fazer de Justiceiro.

   Em relação aos anos 80 sou mais Smells like teen spirits do que Save a Prayer. Abro excepções para equivalente a It’s the end of the world as we know it (and I feel fine) ou In between days.

Antes um Mohawk punk do que um penteado à Rick Astley.

Libertem-me para sempre de Dynasty.

Não me ponham as Bangles a assobiar Walk like an egyptian.

Livrai-nos Senhor de todo mal e não os deixais cair na tentação do revivalismo. Agora e sempre até à hora da nossa morte (antes essa). Ámen.

   Felizmente, muita água passou debaixo da ponte. E, em relação aos anos 80, temos a sorte de amanhã ser um novo dia.

   Apesar de tudo parabéns ao David Fonseca pelo novo disco Seasons - rising.

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publicado por Carlos M. J. Alves às 14:29





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