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III Quatro anos de furacão Catarina

Sexta-feira, 26.04.13

Como sobreviver a um furacão? Bem, não sei em relação aos outros, mas no que diz respeito à minha filha mais nova enfrenta-se fazendo gugu-gaga, com colinho e cantarolando os maiores êxitos das melodias infantis. A princípio, pelo menos. Nos dois primeiros anos. À base de canal Baby Panda. Depois passando a Disney Channel Nickelodeon. Que é como quem diz: Noddy, Ruca, Os mundos de Mia, até chegar a O meu cão tem um blog.

  Ao contrário dos furacões normais não existem lugares mais abrigados nem medidas de salvação perfeitas. A sobrevivência exige fraldas secas e papa a tempo e horas, nervos de aço e capacidade de aguentar meses sem dormir.

   Cá em casa o nosso furacão tem quatro anos. Um cataclismo gostoso que faz hoje anos. Uma intempérie com tanto de chorona como de bem-disposta. Sem momentos acentuados de calmaria. Nem mesmo quando tudo era atingido gatinhando ou sob a companhia auspiciosa de barbies e da sereia Ariel. Levando centrifugamente mesas, cadeiras, legos e  palmeiras pelos ares.

Nós habituando-nos, o melhor que conseguimos, às constantes mudanças atmosféricas e aos remoinhos agitados de mau feitio. 

   Temos escapado à justa. Um furacão é sempre um furacão! 

Mas, também, não merece a pena fazer uma tempestade num copo de água.

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publicado por Carlos M. J. Alves às 14:12

III Ela move-se

Quarta-feira, 04.07.12

 Para a M.

 

Lembro-me que se percebiam [adivinhavam] porções minúsculas de gente. Sombreados nebulosos. Turvos. Começando aos bocadinhos. Largados de nós para si. Uma galáxia tímida organizada em torno de pequenas orbes em gestação, aproximando-se perigosamente da crosta interna da barriga, nadando numa via láctea amniótica de vida: coluna, rins, braços, pernas, etc., etc.

E eu entusiasmado como um Galileu Galilei imprudente, satisfeito com o veredicto que confirmava a minha descoberta: ser pai.

Ansioso. A aprender. Atento.

Animado. Aos pulos.

Conquistado. Domado. Babado antes de tempo.

Esperando-a. De colo pronto. Mais o medo, a inexperiência, as suspeitas, os avisos e os conselhos.

Nome escolhido. Mala feita. Feliz.

Gritando: «Mas ela move-se».

Enquanto ela se agita, boiando em elipses titubeantes, gozando a claustrofobia uterina, em contagem decrescente.

A postos.

Nós disponíveis.

   Ela move-se, comprovo com a ajuda do telescópio ecográfico, cego por um mundo criado por mim, gerando-se, evoluindo em eras mensais, gravitando em rotação e translação na parte que desejo ser a melhor em mim e que bate acelerada: o meu coração.

   Ela move-se. Como se dissesse olá. Ou, até já! Preparando-nos. Sorrindo-nos de volta?

O telescópio, em observação programada, registando em DVD o que já estava no mais íntimo de nós.

Confirmam-se medidas, distâncias, proporções.

Prova. Contraprova.

Comparação. E demonstração.

Membros?

OK.

Órgãos?

OK.

Desenvolvimento?

OK.

Tamanho?

OK.

Mobilidade?

OK.

É bonita?

Isso pergunta-se?

Faz lembrar mais o pai ou a mãe?

Bem…

   E depois nasceu.

   Faz hoje sete anos.

   E eu continuo a achar que é mais parecida comigo.

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publicado por Carlos M. J. Alves às 09:21

III A idade não conta só para os aniversários

Quinta-feira, 21.06.12

A idade é mimada. Não se deixa contrariar. Nunca conseguimos estar de acordo com ela. Aquém ou além de si. Mas não é um pró-forma. Faz parte do nosso dia-a-dia: «sinto-me bem com a minha idade», «ando farto da minha idade», «não pareces ter a idade que tens», «estás óptima para a tua idade», «isso não tem que ver com a idade», dizemos.

Obriga-nos a esforçarmo-nos por ela. É de difícil convívio. Exige habituação. Resignação. Paciência. Cedência no número de prateleiras e no lado da cama.

   Também não é voluntária. Se fosse por nós, não tinha amigos. Ninguém a queria. Passávamos ao lado. Contornando-a. Pelo menos a maioria. E o remanescente mais por exigências do politicamente correcto.

   Por questões de respeito democrático devia de existir a fila para a meia-idade. Para a adolescência. Infância, etc. Com a derradeira hipótese de cortar a direito.

   A idade é uma gruta de Ali Babá onde se escondem as memórias dos tempos do ié-ié, da queda do muro ou adesão à CEE. Riscar o que não interessa.

Está mesmo ali ao lado. O sítio onde amontoamos o nosso passado e em relação a este, relembrando L.P. Hartley em The Go Beteween: The past is a foreign country: they do things differently there.

O que faz com que a idade também nos dê alegrias, se nos esforçarmos:

M. a aprender a Estrelinha no violino. Todos nós concentrados. Sem nos importarmos. Dedos em procura lenta. Arco passando de mão em mão. C. perguntando entre trejeitos: «Esta cara tem graça?». Rindo. Como nós. E a nossa história de amor. Onde tudo começou. Um Era uma vez pessoal.

Lamechas? Uma pieguice pegada? Provavelmente. Mas só se pede desculpa pelas coisas que lamentamos.

   Na maioria dos dias não se vê bem para que é que precisamos da idade. Não traz vantagens evidentes.

E se traz não compensa as responsabilidades. Só nos faz mais velhos.

A minha não é diferente. Bem podia ser para os outros. Até porque há gente para tudo. Deve haver por aí quem goste dela, mas…

Hoje, no entanto, acabei de nascer. Há serpentinas e balões pelo ar comemorando o meu nascimento antigo. Tchim-tchim. Hoje ela não conta. Nos outros dias a idade é por nossa conta e risco. Anátema habitual. Mas não hoje. Isso não se aplica ao dia em que fazemos anos. Tchim-tchim.

   Alturas houve em que a idade nos faltava. Para assistir à sessão nos cinemas Alfa. Depois acabou a sobrar. De nós. Quando achávamos que já estávamos servidos, ela continuou: até hoje. Dia de aniversário. Num regabofe despropositado. Como uma visita indesejada que impõe a sua presença e que não sabe quando abandonar a festa.

   Nos outros dias tentamos viver com ela. Dizemos vintes, trintas, trintinhas, em vez do que, realmente, é. Mas ela tem coisas de que não lembra a ninguém. É uma chata. Vem connosco à pendura. Ou pior: um passageiro clandestino.

É um tropeço. Inadmissível.

   Às vezes assume-se como inconsciência, peso, desperdício, infantilidade, segredo. Pode ser variadíssimas coisas. Embora tenha aspecto de que só dá prejuízo. Podemos tentar, mas ela não se deixa enganar. Mais valia deixar-nos. Cada um indo à sua vida.

Mas ela não nos larga o pé. Um incómodo. Acarreta mal-estares, irritação, doenças e eczemas. E outras coisas próprias… da idade!

   Por justiça, se pensarmos bem, tem mais a ver com o que se faz com ela. Afinal, a idade também dá muitas alegrias. Sei que já o disse! Mas nunca é demais repeti-lo. Para os néscios. Ou os mal-agradecidos.

   Dito isto vou fazer alguma coisa com ela. Já oiço uns dedos tímidos num violino, hesitando no Lá, a precisar de ajuda. E vejo uma cara engraçada.

   Tchim-tchim. Um brinde à minha idade. Hoje é um bom dia para pensar nela. Não vivemos de costas voltadas eu e ela. Somos bons vizinhos. Tenho muito boas razões para estar satisfeito.

   Parabéns a nós!

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publicado por Carlos M. J. Alves às 11:36





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