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III Fazer-se à vida é preciso

Quinta-feira, 07.06.12

Em qualquer situação problemática envolvendo uma participação multinacional, eu aposto no português. E não é só porque tenho interesses manifestos. Confirmados. Privilégios de admissão inerentes ao nascimento. Ou porque sou parte interessada e envolvida. Até pode ser que os narradores quando participantes não possam opinar. Ter voto na matéria. Ingerir. Meter colherada, mas… sou português.

   Sim o português tem defeitos. Sim, está longe da perfeição. Mas o português é desenrascado. Não é temeroso. Adapta-se.

Se há cidadão que consiga vencer a crise é o português. Olhando-a nos olhos e, em atitude Taxi Driver perguntando-lhe:

   - Are you talking to me?

   Não quero, abusivamente, repetir-me, mas o português é desenrascado. Desembaraçado. Em apuro, desentala-se. Sem pânicos. É uma mistura original entre um Charlie Parker improvisando e um MacGyver inventivo.

Um tuning genético secular e com provas dadas. Mais-valias evidentes.

   O português não desiste. Sofre, mas com as tripas na mão avança em silêncio, determinado, para a meta. Vai à luta. Faz-se à vida. E é esse, precisamente, o ponto. O fazer-se à vida.

   Nesta época de crise e de necessidade premente de empreendedorismo percebemos, e oportunidades não nos faltaram antes, que a vida tem o seu quê de merecimento. De milagre, dizem alguns. Não aparece constituída definitivamente. De antemão. Faz-se. Fazendo-se. E nisso o português é especialista. A nossa sorte perante a crise é sermos portugueses. Repetindo-lhe, ameaçadores:

   - Are you talking to me?

 Uma experiência ancestral em fazermo-nos à vida está aí pronta para ser usada.

   Fazermo-nos à vida é, em todo o caso fazê-la a ela. É impossível virar-lhe costas.

Novos, queremos mudá-la de alto a baixo. Pintá-la com cores ousadas, mesmo que discutíveis. Acrescentar-lhe assoalhadas. Mudar-lhe a localização.

Com o tempo resignamo-nos. E, a maioria, acaba temerosa, temendo o despejo iminente, ansiando pela habitação de custos controlados. Entregam-se as trinchas e os pincéis e a preocupação, exclusiva, são as humidades. 

   Fazer-se à vida tem o seu quê de objectivos (mínimos?). De quem se fica não reza a história. E isso é intimidante. É um fazer que se exige. Uma disponibilidade que se requisita. Impossibilita o “agora não posso”. Diz não ao “tenho mais que fazer”. É um estar sempre a postos para se pôr ao caminho. Continuamente na pole position.

   O fazer-se à vida é inimigo mortal do dolce far niente. Antipatiza com a siesta. Acha um desperdício a preguiça.

Não perde tempo a limpar armas, porque está continuamente em guerra. Springsteen, cantando Born to run.

   É por isso natural que alguns optem por uma atitude displicente. Na expectativa. À coca. Na retranca. Sem pachorra. A face criticável do ser português.

   Alguém que não se faz à vida é alguém que sai para comprar cigarros sem intenção de voltar. Que pede time-out. Exige a cessação de todas as funções, para um vou ali e já venho. Deambula por um Lost weekend. Arma-se em John Lennon, deixando Yoko Ono para trás para, sim adivinharam, se fazer à vida.

   Em suma, de uma maneira ou de outra todos nos fazemos à vida. E isso é ir à procura. Decidido a encontrar. Convencido. Sair do intervalo e fazer-se a ela. Arrependido do tempo perdido. Motivado para a reconquistar, como um castelo tomado aos mouros. Saindo do meio gás. É a própria vida que nos obriga a isso. Instigando-nos, quando nos falta a iniciativa. «O que esperas?», parece insinuar.

E nós numa atitude resignada de “Vida a quanto nos obrigas”, avançamos por ela. Num palmo a palmo negociado, aos solavancos ou com sofreguidão. Impacientes. Mesmo nas coisas simples. Abespinhados pela perda de oportunidades. Pelas coisas importantes. E pelas elementares. Por o abatanado ter passado à frente da nossa bica, pela chávena escaldada ou cafés pingados terem sido prioritários.

   Fazer-se à vida é uma inevitabilidade. Até porque não se pode perpetuamente adiá-la. Não há vitórias antecipadas. Nem resultados combinados. Tempo à justa e minutos contados é com o que nos podemos valer.

Até ao dia em que o nosso tempo se acaba e: vamos à vida. Como qualquer outro. Apesar de sermos portugueses. Fazendo-se à vida.

   - Are you talking to me?

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publicado por Carlos M. J. Alves às 10:08





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