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III Quatro estações?

Sábado, 31.03.12

Deve ser a minha índole do contra a pesar, mas embora o nariz ande temeroso do lado de fora dos cobertores, como um periscópio, procurando climas temperados, estava-me mesmo a apetecer uns diazinhos de praia.

Mas, a minha vizinha (sim, eu sei, a vizinha está para a crónica como a morte de um familiar está para a justificação de faltas) que pelas dimensões parece carregar uma Amozónia nas sobrancelhas frondosas, já me disse para eu não fazer muita conta com isso. «Está-se mesmo a ver que o tempo vai mudar», prognosticou em tom apocalíptico de Nostradamus (ainda vou a tempo de pedir desculpa pela falta de originalidade?). «A chuva faz muita falta. É de ouro», acrescentou. Por ela as reservas do Banco de Portugal aumentavam a pingos grossos de chuva. De qualquer maneira, acertou no vaticínio. Por mim fazia-a governadora do Banco de Portugal. Mal não havia de fazer!

O tempo que lhe sobra de se dedicar ao marido que está no seguro devido a um acidente que envolveu um condutor (ainda a monte) que sobrepôs o ego ao código da estrada (confundindo as prioridades) e aos dois filhos (diferentes embora o método usado tenha sido o mesmo) permite-lhe pensar nessas coisas. Confio.

   A minha amiga Martha Stewart (a minha vizinha) acha que «isto nunca mais ficou igual desde que os americanos foram à lua». Como se os astronautas tivessem tocado em algo que não deviam, carregando no botão de um comando qualquer e agora toda a gente só apanhasse o segundo canal. Embora a gravidade (que os astronautas sentem de maneira diferente) em si não a atraia para o centro da terra mas para cima, subindo corpo acima a partir dumas pernas magras até atingir um tronco largo de sequóia com mil e quinhentos anos.

Devido ao seu cuidado já me precavi. Tudo me leva a acreditar que sabe do que fala. Não sem antes, num ataque de fúria me ir aos desodorizantes (não me esqueço do buraco do ozono) e os atirar borda-fora, culpando-os pelo estado das coisas.

   No que respeita ao tempo já nem a chegada das andorinhas confirma o início da primavera, nem as gaivotas em terra são, obrigatoriamente, sinal de água. Em termos meteorológicos até os bichos nos trocam as voltas. Só as articulações vão dando algumas garantias.

    Em relação à natureza do tempo, a única coisa que não mudou foi continuar a ser um óptimo desbloqueador de conversa.

Graças às mudanças, são as calotas a derreter, as matas a arder (a minha vizinha diz, com as sobrancelhas em sobressalto, que já nem deve haver muito para arder). E há a seca. As albufeiras a não sei quanto da capacidade. E nada está como dantes no quartel de Abrantes. «Vamos pagar isto tudo bem caro», diz a minha vizinha, não perdoando aos astronautas americanos. Especialmente quando me ouve a desejar calor fora de época. Como se quem gostasse dele fosse uma espécie de adorador do sol, inconsciente. Mas não ela, que não gosta de temperaturas anormais para a época. Logo ela que até prefere ficar no borralho, de pantufinha calçada, cuidando do marido atropelado e tisana aquecida a ouvir a chuva a bater na vidraça (no tempo dela). E, claro, a sorver o cheiro a terra molhada que é coisa que para ela é um regalo.

E a gente começa a sentir-se mal quando a escuta. Olhamos para a esplanada e solidários não queremos pertencer a um movimento contra-natura dos que aproveitam calores fora-de-época à sombra (numa altura em que ela não devia fazer falta) retemperando-nos à base de refrescos de cevada. Pelos vistos os remorsos até os tremoços atacam, porque nos começam a saber mal. E repetimos como um mantra «isto não é tempo para a época, isto não é tempo para a época». E fugimos da provocação climatérica quando já se fazia horas de um gin tónico. Cabisbaixos. Envergonhados por estarmos a beneficiar do buraco do ozono. Caminhamos para casa, enregelados a cada passada e preparados para um cacau quente que noutro tempo ainda vinha mesmo a calhar nesta altura, porque durante a noite sempre arrefece.

Para compensar abrimos o frigorífico e tiramos uma peça de fruta, produzida em estufa, que só deveria aparecer dali a dez meses. E lembramo-nos da vizinha vaticinando: «no tempo ninguém manda». E arrependidos, sentimo-nos burgueses sem preocupações ecológicas. Ricos desejando verão de inverno para a nossa Riviera. E ficamos satisfeitos com essa evidência. Achando que nem com o tempo se pode contar.

    Em relação aos meus diazinhos de praia, nada feito. Paciência! Por mim as sobrancelhas da minha vizinha têm garantido um aguaceiro. Não há cá sol na eira e chuva no nabal.

   Infelizmente não estão previstos lançamentos espaciais para os próximos meses. Sempre podia mudar alguma coisa. Pelo sim pelo não começamos em contagem decrescente, como se estivesse em Cabo Canaveral: 10, 9,8, 7… de tolha de praia, pronta, na mão.

 

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publicado por Carlos M. J. Alves às 15:04





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