Máquina da Preguiça®
O texto é uma máquina preguiçosa [Umberto Eco]
III Porque no se callan?
Sim, perdemos. Ficámos a 90 minutos de Kiev. Travados pelos penáltis. Na lotaria calhou-nos jogo branco. Não saiu o nosso número da sorte.
Caímos. Como uma grande equipa. É unânime.
“Campeões de quê?”, perguntamo-nos em relação à Espanha.
Festejem, mas baixinho. Sem exuberâncias. Eramos para ser nós!
Mas, não vamos estar na final.
Acordámos com um gosto amargo. A precisar de confirmar o resultado. Um mal-estar generalizado.
Tal como ameacei estou de trombas. Vou andar amuado durante semanas. A compostura foi-se. Tenho vontade de armar barraca. Não consigo estar calado.
Mas, por mim mal terminasse a final do Euro 2012 começávamos, imediatamente, outro Campeonato da Europa.
Apesar de o Euro 2012 ter tido para nós manigâncias de “quase”. Não é mau. Alturas houve em que nos ficámos pelo “Já está?”. Participação de “toca e foge”. Esses dias ficaram, felizmente, para trás.
Fizemos boa figura. Há sentimento de missão cumprida. Também somos bons. Começámos mal e com polémicas, mas melhorámos de jogo para jogo. Fomos inteligentes. Organizados. Houve união. E entreajuda. Paulo Bento pegou num grupo de talentos individuais e transformou-o num colectivo unido, em espírito amigos para siempre. De um balneário desunido para uma turma de adolescentes endiabrados acabados de chegar de uma viagem de fim de curso inesquecível.
Pusemo-nos a jeito para sermos campeões. Ninguém tem dúvidas. Mas, acabámos na trave em Donetsk. Azar?
O Euro nunca devia de acabar. De 2012, passava a 2013, depois a catorze. Dígitos substituindo dígitos. Prazos adulterados. Contabilidade corrompida.
Por mim mal terminasse o Euro 2012 começava, automaticamente, outro.
Com o Euro a gente esquece-se. Andamos mais animados. Orgulhosos. Auto-estima em alta. O hino arrepia-nos. Portugal é uma coisa boa. Dez milhões de talentos. O segredo mais bem guardado da Europa.
Com o Euro andamos cá por cima. Ultrapassamos a Inglaterra, França. Fazemos tombar a Holanda e a Dinamarca. O Euro põe-nos no topo do mundo.
Somos da malta. Andamos lá pela frente. Favoritos. Temíveis. Pomos em sentido os suspeitos do costume.
Também temos equipamentos bonitos. Autocarros à maneira. Somos populares. Todos nos querem para a fotografia. Não nos faltam namoradas.
Têm medo de nós. Ameaçamo-los com Ronaldo e eles tremem. As estatísticas não nos intimidam. Défice só existe o de tempo suficiente para marcar mais. Dizem bem de nós. E acham que nós somos a considerar.
Quando o Euro acabar voltamos ao lugar habitual. Lá para trás. Metas para cumprir. Austeridade. Taxas. Impostos. Voltarão a ser palavras de ordem.
Esquecemos os lances duvidosos. Os remates. Os cruzamentos. Os livres. As defesas impossíveis.
Voltaremos a andar aflitos. Sem esperança. Fartos. Pobrezinhos. Saturados da conversa do costume. As tristezas até parece que ajudam a pagar as dívidas.
Mas deixemos isso para depois. Para quando tiver que ser. Hoje, ainda, é dia de rescaldo.
Outro Euro, se faz favor. Mas sem penáltis.