Máquina da Preguiça®
O texto é uma máquina preguiçosa [Umberto Eco]
III Auf wiedersehen fase de grupos, olá quartos-de-final, até já meias-finais
São tantos os males que já tenho suportado, tantos os trabalhos, no mar e na guerra! Venha mais este a juntar-se àqueles!
Homero, Odisseia
Portugal venceu a Holanda, num jogo arbitrado pelo italiano Nicola Rizzoli em Kharkiv, a segunda maior cidade ucraniana com 1,5 milhões de habitantes.
Apesar do resultado forreta de 2-1 Portugal, com dois golos de Ronaldo, chega aos quartos-de-final do Campeonato da Europa.
O primeiro objectivo está atingido.
CR7 (de ausente a homem do jogo) & Co, apesar da percentagem menor (42%) de posse de bola em relação aos holandeses (58%), carimbaram o acesso aos quartos-de-final após vinte e dois remates à baliza de Stekelenburg, alguns falhanços de Nani e Postiga e bolas no poste.
Objectivo cumprido.
No animado quadro sobrenatural, no que diz respeito à confraria de ocultistas premonitórios constituída por polvos, porcos e afins, destaca-se agora Quinas, o crocodilo.
O resultado confirma, aliás, a aposta ganha em Quinas, um crocodilo moçambicano da cidade da Beira que garantiu a vitória lusa, pouco impressionado com a falsa partida portuguesa contra a Alemanha.
Nem porco, nem polvo, portanto…
Ganhando em potencial lagareiro, o que deixou escapar em possibilidades de adivinhação, para trás ficou o polvo Paulo.
Apesar de ter acertado no resultado contra Alemanha, que no confronto com a Dinamarca não se poupou a esforços para garantir a vitória frente aos escandinavos.
No entanto, uma palavra de apreço para si, pois enquanto tag da Máquina da Preguiça aparece, largamente, à frente, por exemplo, de Homero no que às visualizações diz respeito.
De um ponto de vista meramente gastronómico, para aumentar o apetite para o que aí vem, podemos dizer que os quartos-de-final exigiram espremer a laranja, mas as meias-finais implicam dar conta de porco assado, com couve e bolinhos.
Depois da Holanda venha a República Checa.
Até já, meias-finais.
A Odisseia continua.
Autoria e outros dados (tags, etc)
III É favor não fumar na bomba de gasolina
Os homens são como as ondas,
quando uma geração floresce,
a outra declina.
Homero
O depósito ía a meio quando reparei que num carro próximo, disputando comigo a vez, um sujeito impaciente fumava ostensivamente, lançando desrespeitoso a cinza para o exterior, iletrado perante a sinalética de segurança, peremptório na sua arrogância e pronto para deitar borda-fora em incandescência o cadáver do seu vício.
A estupidez tem cheiro e pode muito bem ser a gasolina misturada com tabaco!
Comuniquei ao funcionário a míopia no que ao civismo dizia respeito do indivíduo e paguei.
Irritado e pouco propenso a grandes reflexões, ainda assim, lembrei-me de um dos recentes artigos de Clara Ferreira Alves (CFA) que no Expresso, como a autêntica Pluma Caprichosa que costuma ser, se debruçou sobre a actual situação grega. Ich bin grega, dizia.
A apatia geral. O desgoverno. A corrupção. A especulação imobiliária nos pontos mais turistícos. A falta de escrúpulos. Os carros estacionados nos passeios. E a indiferença moral em relação a tudo isso. O laissez-faire generalizado. A Grécia que nos civilizou, nos deu a democracia, a filosofia e a maneira de nos entendermos vive num desinteresse crescente. Num “nada a perder” ou “deixa andar”. Mais pobre.
Semelhanças connosco? Sim. Óbvias. Um cenário que, em grande parte, nos faz lembrar o Portugal subserviente às exigências da Troika, como admitia CFA. De gente antipática desrespeitando o que encontrar pelo camindo (o seu). Onde calha. Em lugares de destaque ou enquanto atesta o carro. Fazendo vista grossa à dignidade alheia.
Foi de tudo isso que me lembrei na bomba de gasolina. A Europa e a Grécia e Portugal, em particular, estão mais pobres. Por ironia, “pobre” resulta de duas palavras helénicas “penef”, remetendo para um viver modesto e aliado ao necessário e “ptohoi” para a mendicidade ou inexistência de sustento.
É quase institiva a raíz grega. Congénita. O berço civilizacional grego foi pródigo. Irreconhecível na actual Grécia de que fala CFA. Também podíamos falar no caos presente, do grego “kháos”.
Não é precisa tradução, pois não?
Já falência, palavra de uso recorrente, tem o passado latinizado em “fallentîa” e aponta, entre outros significados possíveis, para a falta.
E é notório que há muito a faltar-nos. A ruína económica estendeu-se à dos valores.
Isso é evidente até numa simples bomba de gasolina.
Mesmo antes de pagarmos o combustível, cujo preço nos coloca automaticamente no nosso devido lugar europeu.
Partilhado, obviamente, com os gregos.
Um universo paupérrimo, sem favores especiais para quem já deu mundos ao mundo e incapaz de se compadecer com berços.
Bem lá no fundo.