Máquina da Preguiça®
O texto é uma máquina preguiçosa [Umberto Eco]
III Cromos da bola
Para o meu sobrinho, que é um cromo da bola.
Damas, Jordão, Manuel Fernandes… estes foram nomes que me levaram a simpatizar primeiro e ser adepto, depois, do Sporting.
A torcer em exclusividade. A sofrer por e para um único. Já lá vão uns anos.
No outro lado lembro-me de Nené, Frasco, Bento, Gomes… do Chalana a perder o brinco (?).
Teria que consultar as cadernetas.
O melhor do futebol é a criancice. Há os rescaldos. Os comentários. É claro que há o negócio, mas isso é outra coisa. O futebol é para meninos.
É para quando estamos a ver um desafio termos, novamente, 6 ou 7 anos e voltarmos a colecionar cromos. À procura daquele que nunca sai. A contabilizar os repetidos. A responder à inveja do «quantos é que te faltam?». Vive disso. Serve para isso.
Voltamos ao recreio. À espera que nos escolham. Canelas revestidas a mercúrio cromo de embates anteriores. O dono da bola de um lado e o eterno rival do outro. Primeiro os melhores e os menos capazes a ficarem para o fim. Claro que, também, se ponderava em fazer nosso o especialista em matemática, porque poderia vir a fazer jeito. É assim o futebol. Tem a sua parte de estratagema. Dentro e fora das quatro linhas.
Mas, aí, as equipas defrontavam-se montadas numa estratégia de «tudo ao molho e fé em Deus». Não havia conspirações. O sistema. Lances eram estudados arqueologicamente. Desenterrados durantes as aulas. E só.
Os jogadores de futebol existem e são bem pagos, porque houve uma época, quando jogávamos à bola de joelhos esfacelados, em que também sonhávamos em sê-lo e os sonhos não têm idade, nem preço.
Em noites europeias não sou (só) do Sporting. Sou português. Percebe-se. Sempre acudi por David. Não vou em conversas de Golias. Estou disponível para ajudar.
Há partida isso exclui-me, imediatamente, de fanático. Como adepto passo, provavelmente, logo muito a desejar.
Fico daltónico. Acaba-se um mundo divido em lagartos e lampiões. Durante os 90 minutos não há rivalidades na segunda circular. Algures entre os dois clubes nasce uma Torre de Babel onde todas as línguas são possíveis. Durante esse tempo grito com toda a força os nomes dos jogadores, como se fossem da minha equipa. No fim arranjo defeitos para o árbitro. Fico satisfeito com aquela defesa memorável, aquele drible estupendo. Choro os pontos perdidos. Os amarelos desnecessários. A lesão que, também, me dói.
Há quem não perceba. Porque tive pena que o Benfica não tivesse continuado em prova. Os que acham que é merecido. Mas eu nessas alturas volto a ter 6 anos. De pernas imunizadas com tintura de iodo. Nódoas negras de jogador da bola. A antecipar lances. A ganhar nas alturas. Bom no jogo aéreo. Percursor da trivela. Marcador de escapelinha. Temível no um para um. O maior da rua.
Em dias de jogos importantes, sempre que o craque parte para a bola, para marcar o livre, milhares de crianças de todas as idades, dos 5 aos 80, partem com ele. Quando essas crianças começam a discutir se o defesa que estava na barreira saiu dela antes de apitarem são novamente adultos, com as idades respectivas.
O futebol é de momentos. Uns vivem para sempre. Em nós e nos outros como nós. Outros acabam no final do jogo. No caminho para as cabines. O Sporting segue em frente. Pela quinta vez na sua história está nas meias-finais de uma competição europeia depois de ultrapassar o Metalist. Portanto, temos de aproveitar… Sinto-me rejuvenescer. Orgulhoso.
Spoooooorting. Sá Piiiinto.