Máquina da Preguiça®
O texto é uma máquina preguiçosa [Umberto Eco]
III A sorte
Muito se tem falado dela, a propósito do que se passou antes e depois de Donetsk. Em relação à sorte…
não se conhece receita
já tem dado jackpot
passagem
pontos
há a de principiante
a do jogo
há quem tenha muita
a dos campeões é uma estrelinha
diz-se que favorece os audazes
às vezes é supersticiosa:
alguns apostam sempre nos mesmos números
outros batem na madeira
cruzes canhoto
por vezes é pouca
às vezes falta uma pontinha
é inexplicável
há que fazer por ela
em certas alturas é madrasta
nem sempre se pode contar com ela
desconhecemos quando surge o seu auxílio
ou quando irá terminar
nem sempre aparece
nem se sabe quando isso irá suceder
faz a diferença
não é para todos:
nuns casos manda à barra, noutros ajuda a entrar
dizem que azar no jogo, sorte no amor
nem sempre é merecida
às vezes aparece no último instante
outras vai contra a corrente
em relação à sorte, ela também conta
mas, no que respeita a penáltis, nem é bom falar nisso
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III Porque no se callan?
Sim, perdemos. Ficámos a 90 minutos de Kiev. Travados pelos penáltis. Na lotaria calhou-nos jogo branco. Não saiu o nosso número da sorte.
Caímos. Como uma grande equipa. É unânime.
“Campeões de quê?”, perguntamo-nos em relação à Espanha.
Festejem, mas baixinho. Sem exuberâncias. Eramos para ser nós!
Mas, não vamos estar na final.
Acordámos com um gosto amargo. A precisar de confirmar o resultado. Um mal-estar generalizado.
Tal como ameacei estou de trombas. Vou andar amuado durante semanas. A compostura foi-se. Tenho vontade de armar barraca. Não consigo estar calado.
Mas, por mim mal terminasse a final do Euro 2012 começávamos, imediatamente, outro Campeonato da Europa.
Apesar de o Euro 2012 ter tido para nós manigâncias de “quase”. Não é mau. Alturas houve em que nos ficámos pelo “Já está?”. Participação de “toca e foge”. Esses dias ficaram, felizmente, para trás.
Fizemos boa figura. Há sentimento de missão cumprida. Também somos bons. Começámos mal e com polémicas, mas melhorámos de jogo para jogo. Fomos inteligentes. Organizados. Houve união. E entreajuda. Paulo Bento pegou num grupo de talentos individuais e transformou-o num colectivo unido, em espírito amigos para siempre. De um balneário desunido para uma turma de adolescentes endiabrados acabados de chegar de uma viagem de fim de curso inesquecível.
Pusemo-nos a jeito para sermos campeões. Ninguém tem dúvidas. Mas, acabámos na trave em Donetsk. Azar?
O Euro nunca devia de acabar. De 2012, passava a 2013, depois a catorze. Dígitos substituindo dígitos. Prazos adulterados. Contabilidade corrompida.
Por mim mal terminasse o Euro 2012 começava, automaticamente, outro.
Com o Euro a gente esquece-se. Andamos mais animados. Orgulhosos. Auto-estima em alta. O hino arrepia-nos. Portugal é uma coisa boa. Dez milhões de talentos. O segredo mais bem guardado da Europa.
Com o Euro andamos cá por cima. Ultrapassamos a Inglaterra, França. Fazemos tombar a Holanda e a Dinamarca. O Euro põe-nos no topo do mundo.
Somos da malta. Andamos lá pela frente. Favoritos. Temíveis. Pomos em sentido os suspeitos do costume.
Também temos equipamentos bonitos. Autocarros à maneira. Somos populares. Todos nos querem para a fotografia. Não nos faltam namoradas.
Têm medo de nós. Ameaçamo-los com Ronaldo e eles tremem. As estatísticas não nos intimidam. Défice só existe o de tempo suficiente para marcar mais. Dizem bem de nós. E acham que nós somos a considerar.
Quando o Euro acabar voltamos ao lugar habitual. Lá para trás. Metas para cumprir. Austeridade. Taxas. Impostos. Voltarão a ser palavras de ordem.
Esquecemos os lances duvidosos. Os remates. Os cruzamentos. Os livres. As defesas impossíveis.
Voltaremos a andar aflitos. Sem esperança. Fartos. Pobrezinhos. Saturados da conversa do costume. As tristezas até parece que ajudam a pagar as dívidas.
Mas deixemos isso para depois. Para quando tiver que ser. Hoje, ainda, é dia de rescaldo.
Outro Euro, se faz favor. Mas sem penáltis.
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III Se nos der a vitória, “A mi me dá igual”
Em relação ao Portugal-Espanha, aviso que não me importo que não ganhe o melhor. Desde que vençamos: A mi me dá igual.
Vou fechar os olhos se formos nós a triunfar sem merecer. Facilito. Impressionar não traz vantagens.
Não precisa de ser bonito.
Até pode ser por sorte.
Lance fortuito.
Azares inexplicáveis.
Favorecimento.
Por compaixão de nuestros hermanos.
Vou ser claramente tendencioso. Mal marquemos termina. Desrespeito tempos regulamentares.
Por mim, meio golo dá-nos a vitória. As [nossas] intenções contam.
Vivo bem com o “não mereciam”. Com o “como é possível?”, incrédulo. Não vou dar o braço a torcer.
Também não me importo se não jogarmos bem. Até posso olhar para o lado. Atabalhoado serve perfeitamente. Desde que entre. Directamente, às três tabelas ou de raspão. É preciso é perceber-se. Uma dúvida ou outra, também, se desculpa. Subentendido não é roubado.
Se o pior acontecer não vou ter bom perder. Ficarei de trombas. Andarei amuado semanas. Perderei a compostura. Armarei barraca.
É bom que ganhemos senão ninguém me atura. Difícil será calar-me. É melhor para toda a gente. Fica o aviso. Se é para perder nem vale a pena aparecer.
Não quero saídas de cabeça erguida. Não quero ser uma grande equipa, quero ser a que ganhou. Troco duas vitórias morais por um triunfo à rasca.
Já que fizemos a despesa quero a taça. Menos que a vitória é mau resultado.
Não desejo mal a ninguém, mas em relação aos espanhóis…
Depois falamos!