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III Nails & Snails

Quinta-feira, 24.10.13

Na constante colonização de costumes a que estamos expostos e que tem para a maioria o mesmo grau de atração do que a luz para a traça, o caso das unhas de gel é um fenómeno de proporções bíblicas e contornos frankenstinianos. Uma eventual forma de vingança da costela que a mulher tem atravessada há séculos. 

    Confesso que ando há anos abaixo da média nacional para unhas. A considerada normal. Para homem, claro está. Talvez por isso tenho-me mantido em pleno alerta vermelho contínuo, olhos postos num farol de bom senso que me afasta das traiçoeiras águas do ridículo. 

   As actuais dimensões, originadas num qualquer Pesadelo em Elm Street, (confrangedoras para o ascetismo mais milenar) que as unhas têm atingido entre nós, faz-nos satélites de um escalão sénior de superpotência e linha avançada na estatura global. 

A nossa posição indisputada só é questionada pelo Brasil (berçário invicto das unhas de gel) onde o hábito tem importância de filosofia de vida.

    Longe vão os dias em que as unhas eram, exclusivamente, fonte de distracção votadas a mordomias de roedores humanos empenhados no seu corte até ao sabugo como castores desvairados.

    Onde tudo começa?

Na inveja de Cleopatras seguidoras das novas tendências que via mirone cobiçam a cutícula estrangeira.

   Numa fase posterior, pequeno passo para a humanidade mas grande para o neófito das unhas de gel, em que as opções mais controversas já foram efectuadas - cores, design em filigrana, stencil vanguardista, proporções generosas de lâmina de Sandokan e aplicação da capa gelatinosa - segue-se a adaptação às próteses afiadas.

   Segue-se a conclusão de que nada será como dantes: atar atacadores, tirar o passe social ou uma fatia de fiambre, procurar um contacto na lista de endereços do telemóvel…  e a inevitabilidade de que é nos detalhes que as coisas se complicam, num emaranhado inconciliável entre a prática e a estética.

   Manter-se em glória no panteão dos imortais exige esforço e dedicação, somando-se gastos equivalentes a um périplo pela Escandinávia, resolução de problemas mecânicos de delicadeza aeronáutica e atenção permanente e premente no que à manutenção diz respeito - retoques, substituições, decapamentos - corolário de desprendimentos, infiltrações e acidentes envolvendo terceiros, até atingir a harmonia perdida.

   Anseio por um tempo primordial onde tudo volte à normalidade. Unhas sendo unhas. Aberrações erradicadas para as entranhas da terra ou espaço sideral. Que se organize um poderosíssimo exorcismo ou fogueiras em que acabem derretendo em banho-maria no calor das labaredas do Hades do mau gosto.  

Mas, entretanto, no actual estado das coisas, a minha grande dúvida é: 

     Como é que se comem os caracóis?

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publicado por Carlos M. J. Alves às 19:25

III Tanto barulho para nada

Quinta-feira, 08.08.13

 

I wish my horse had the speed of your tongue.
Shakespeare, Much Ado About Nothing


Colectivamente somos BARULHENTOS. Incómodos. Agitação, balbúrdia, rebuliço não nos intimidam. Impomo-nos, aos safanões, como povo alérgico ao silêncio e apto para provar a todos os dotes de Caruso em cacofonia.

O "demasiado alto" foi riscado vitaliciamente e por isso vamos à frente e isolados, numa competição quase sem rivais, como vuvuzelas incómodas e histéricas.

  Por natureza própria e confirmada, falamos  alto com o vizinho do lado como quem assume que ele está a quilómetros de distância e sem nos ouvir. 

  Temos pré-amplificação hereditária garantida ao nível das cordas vocais. Estridência ao nível da língua. Entoação de eco em promontório  alpino.

  Somos, congenitamente, incapazes de sussurrar. Decibéis ao rubro. Como quem nasce equipado com microfones e colunas adequadas para espectáculos em grandes espaços. 

Desprovidos de motivação para passar despercebidos. Colocando-se em bicos dos pés e anunciando-se (ALTO): “Estou aqui, estou aqui!!!!”.

  Ao contacto leve com o areal não gaguejamos e perdemos as maneiras. Aparecendo na praia, desde cedo, com dois meses de forno não para garantir anonimato mas inveja. Evidenciando-se com ruído idêntico ao do Maracanã em dia de Fla-Flu, enquanto se avança pela zona dos chapéus dentro com toda  a torcida do futebol de praia em polvorosa.

O mundo bem pode ser um palco mas é no relvado atlântico que se revelam os talentos.

  Usam-se os quatro, cinco, seis ventos para levar a mensagem mais longe. Berrando como se os fígados estivessem a pingar derretidos, directamente, para a toalha.

Apregoando a dúvida se são mais as varizes, as estrias ou as ilhas de celulite da jovem à beira-mar. Se havia necessidade do cabelo loiro da mãe que a acompanha. E se os estampados florais nos fatos de banho da promoção podem ser considerados revivalismo de bom gosto.

  O relógio interior que nos regula o barulho anda desregulado há anos e o tom de conversa normal está subido e com débito de banda de garagem empenhada. 

  Colectivamente somos barulhentos. Falamos por cima de quem tiver que ser.

Não acreditamos em aparecer com pezinhos de lã. Andamos com um púlpito atrás, constantemente, convencidos de que estamos a falar com grandes plateias  e auditórios ávidos por nos ouvir. Sempre preparados para o contacto com as multidões.

Trombetas em riste anunciando-nos ao mundo. Em constante atitude provocatória toureira: “Ei, tu aí!?”.

  Em termos europeus fazemos claque por todo o continente. Damos a conhecer a vida ao mundo e subvalorizamos a descrição. Deixando para trás a pergunta: TANTO BARULHO PARA QUÊ?

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publicado por Carlos M. J. Alves às 09:54

III Se eu fosse a ti, fazia o que eu digo e não olhava para o que eu faço

Domingo, 24.02.13

Todos já nos cruzámos consigo. É comum e espontâneo. Aliás, de cada umbigo proeminente, de um altruísta egocêntrico ou de algum bem intencionado sabedor surge sempre um "Se eu fosse a ti". Ele aparece em circunstâncias de dúvidas, intromete-se em momentos de fraqueza, afoita-se a propósito de hesitações e acerta o passo pela atrapalhação. 

     Por vezes é um gesto bem educado como o de abrir a porta às senhoras. No entanto, um "Se eu fosse a ti" torce o nariz. Tem a mania. 

É de quem não consegue ficar calado. De quem sabe ou acha que sabe da nossa vida e está convencido de que saímos a beneficiar com as suas opiniões. É um "Não devias ir por aí" e "Devias ser mais como eu".

Tem personalidade metediça e intrusa. É abelhudo, atrevido e até insuportável.

     Um "Se eu fosse a ti" acha que nos entende e acompanha-nos para todo o lado. É por nós. Um farol. Tem um lado bom: não quer que passemos vergonhas. Repreende-nos para o evitar.

Nessas ocasiões não dá troco a críticas negativas. Compreende a nossa posição e tem pena e consideração. É benemérito e serve para nos amparar.

       Um "Se eu fosse a ti" está sempre de olhos em nós e é todo ouvidos. Porquê? Porque acha que um dia pode estar na nossa situação e, por isso, é um "tu" que passa, temporariamente, a "eu". 

     Compara-se e preocupa-se connosco, dá-nos conselhos e põe-se no nosso lugar, reclamando experiência, pleno de maturidade. Esclarecido. Achando que sabe mais do que nós.

      Um "Se eu fosse a ti" encoraja-nos, calça os nossos sapatos, abre-nos os olhos, dá-nos a mão e oferece um ombro se as coisas descambarem. Podemos confiar em si porque é uma voz rezingona, amiga, frontal que não se coíbe e não dá com a língua nos dentes. 

Abre-nos caminho, faz as nossas vezes e tem vontade de ir à frente. Liberta-nos tensão para não nos saltar a tampa.

Tem ideias para nós e projectos. Identifica-nos as prioridades. É um "deixa-te disso", fraterno.

     Um "Se eu fosse a ti" faz juízos de valor  q. b., mas mais importante do que isso, dá hipóteses, pistas, apresenta opções, faz contas  e ajuda-nos a considerar saídas.

Põe-nos a tomar decisões, a fazer dietas, a cumprir prazos, a treinar para a maratona, a optar entre a Maria e a Joana, a escolher entre e a praia e o campo... manda-nos ver a febre.

     Às vezes passa das marcas e mete-se onde não é chamado. Chaga-nos, descompõe-nos e põe-nos as malas à porta. Repisa. É chato e desagradável. Troca-nos as voltas e dá-nos um discurso. Ou insinua "Faz como eu digo, mas não faças como eu faço!". Aí apetece-nos dizer: &%%&#*$#"!x. Mandá-lo dar uma curva. Perguntar-lhe por quem lhe encomendou o sermão.

Outras nem deve ser tido em consideração porque não sabe do que fala. 

   Se tivermos sorte um "Se eu fosse a ti", tem cuidado com as coisas que diz, insinua, desaconselha, faz reparos e ajuda-nos a enfrentar as contrariedades. Mas, por vezes, remete os nossos hábitos para o tempo das trevas, passeando-nos pelo lodo e por isso o melhor é não arriscar.

   A verdade é que apesar das boas intenções nem sempre fazemos caso de um qualquer  "Se eu fosse a ti". Esquivamo-nos. Ficamos com a Maria e a Joana. De manhã vamos à praia com uma e à tarde fazemos um piquenique no campo com a outra. Com 40 graus de febre.

Mas, nessas alturas e em especial quando as coisas correm mal, damos automaticamente de caras com um ainda pior:

"Eu bem te disse"                   

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publicado por Carlos M. J. Alves às 11:28

III A latosfera

Quinta-feira, 14.02.13

Se alguém lhe disser na cara "É preciso ter lata!" como se você fosse uma mutação de Marylin Manson subvertendo Tainted Love, com orgulho, confirme. 

Pode até acrescentar: "Sim, claro, sou português!".

     Se eu não fosse português gostava de o ser só por causa da lata. O português tem lata. 

Em doses Cheerios familiar.

Não se acanha. Não é acabrunhado. Arroja-se.

Bate à porta para pedir um pezinho de salsa, mas transforma-se, ainda na soleira, em Átila o Huno acabando a saquear a despensa e a assaltar o frigorífico da vizinha. 

Garante qualidades duvidosas.

Vantagens inexistentes.

Confirma prazos por cumprir.

Validades ultrapassadas.

Compromete-se com o impossível.

Pisa o risco.

Enfim, tem lata.

Exemplos?

Ter lata é desvalorizar ao agente da autoridade índices elevados de alcoolémia no limiar da náusea e com evidências na fralda da camisa de vómito recente.

É ser capaz de desmentir aos pais da jovem uma gravidez, com o trabalho de parto em contagem decrescente.

Negar ao cliente irado o cabelo afundado no Risoto, como uma bandeira erguida com esforço no topo do Evereste. 

Ocupar o lugar para deficientes no estacionamento desculpando-se com enxaquecas atrozes.

Negar um flagrante delito ou uma boca na botija.

Uma amante deitada lânguida no quarto do casal.

Dizer-se da oposição com o pin do partido do governo na lapela.

Afirmar-se inocente com a arma fumegando na mão ou, ainda, agarrado ao pescoço da vítima.

     Há latas e latas, mas sem ela não se arranja namorada, não se ganha lugar na fila, não se consegue par para o baile de finalistas...Não se vai longe. É com ela que se conquistam lugares, se recuperam posições, se avança na direcção do El Dorado.

     A lata desafia a vergonha é dissimulada e disfarça, por isso não agrada ao discreto nem serve ao tímido. É desaconselhada pelo bom senso, mas consegue resultados.

     Na lata cabem várias ousadias e uma imensidão de "não custa nada tentar". Fica algures entre o "ver se pega" e o "pode ser que cole". Perto da fronteira do "Não há outra maneira".

Um mundo estratosférico subdimensionado para as necessidades, transversal a todas as classes, com densidade populacional excessiva e sem demografias privilegiadas. 

     A lata recomenda moderação como o Viagra, mas tal como o uso selvagem deste leva a corações a explodir também com ela se observam exageros.

Além disso, a lata pode, muito bem, cair em saco roto. Esse é um risco que se tem de correr. Mas como toda a gente sabe:

"Quem não chora não mama".

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publicado por Carlos M. J. Alves às 16:31

III Atrasos médicos

Quinta-feira, 06.09.12

"O senhor doutor pede desculpa, mas está atrasado", anunciou a morgada da portaria, ilibando o médico, como quem o salva de uma lapidação sumária, aproveitando uma altercação homeostática súbita que o reteve para lhe legitimar a falta.

"Oooooh!!!", ouve-se em sinal de desilusão colectiva.

"O senhor doutor pede muita desculpa.", repete a recepcionista, descrevendo-o como incapaz de resistir a tirar das trevas esterilizadoras um milhar de agentes de propagação de doença identificados no rastreio hospitalar.

  Para a minha contabilidade pessoal a situação soma-se à última vez em que estive no consultório em que a razão da demora foi uma espécie de rebentamento de bexiga. Mas houve outras ocasiões de maiores ou menores complicações que resultaram em adiamentos, delongas, prorrogações e protelações.

Um desaguisado de bojadores médicos abdominais, achaques respiratórios uns mais temperamentais do que outros e de dificuldade superior com consequências idênticas: atraso.

  E nós, espoliados da saúde, com dores não debeláveis, imaginando-o atravancado com suturas, gangrenas inesperadas e febres coléricas incapazes de contestar, desculpando-o, altruístas. Reconhecendo-lhe um dia com pelo menos trinta e sete horas de conquistas médicas ininterruptas, acumuladas em hospitais, centros de saúde, consultórios, ambulatórios de norte a sul do país.

Os da marcação das nove ficando para as dez, esses caminhando para as onze, alterações em escadinha e eu avançando impávida e involuntariamente nos degraus até à viragem de um século próximo, a meia cura de um desfecho saudável, imediatamente, atrás da propaganda médica. Não contestando os empecilhos médicos repentinos (por medo às represálias) que fizeram o senhor doutor voltar atrás, estacionando de volta o BMW na sombra reservada. Compreendendo a sua falha. Apercebendo-me dos plantões acumulados, das clínicas sobrepondo-se, urgências assoberbando-o, piquetes solicitando-o, mais as horas extraordinárias, domicílios e os horários extra.

"E vai demorar muito?", pergunta o da marcação das treze.

"O senhor doutor acabou de ligar a dizer que saiu agora de banco", contrapôs a funcionária, defendendo o patronato com dentes de quem não tem pele para desaforos, crescendo dentro da bata branca, enquanto fecha a porta do meio gabinete a que o especialista tem direito nas instalações que partilha com os colegas da ginecologia, ortopedia, clínica geral, pediatria e nomes cumpridíssimos fazendo adivinhar capacidades médicas extraordinárias, a que chamam pomposamente "Centro Clínico".

"O senhor doutor acabou de sair de banco", repete salpicando o branco da bata com a sua ira, apropriada a quem se especializou em apanhar um ror de palavras por minuto, em débito agressivo, rápido e continuado, fixando-as estenograficamente primeiro, e depois passando-as para carta (noutros tempos)  e, mais recentemente, email. Isso mais telefonemas e gestão de agenda e recursos, não sobrando daí tempo para justificar atrasos altamente compreensíveis. Até porque o tempo do senhor doutor só a si pertence, deixa ela insinuado no ar para desilusão dos aflitos. E só os infiéis da ciência médica são incapazes de o não reconhecer. Nós, pagantes ingratos, pouco cuidadosos, que se deixaram adoecer.

   A parte da sala de espera adstrita ao meio gabinete  do senhor doutor foi transbordando de mazelas: pernas lascadas, braços imobilizados, pessoas que só estão para mostrar exames, reis magos com oferendas de caixas Casa Ermelinda para trocar por disponibilidade.  

"O senhor doutor está ligeiramente atrasado", lança a secretária do nosso especialista em atrofias e contratempos do sistema imunitário para o casal de tísicos, recém-chegado, que procurava informações junto da jovem vestindo na íntegra um catálogo de "roupa alegre e colorida". Confirmando essa evidência aos que a rondavam em especial os das marcações das dez e dez e meia que já íam a caminho das onze e meia e meio-dia, respectivamente.

"Veja lá o que pode fazer", solicita uma idosa com um colar cervical desempenando-lhe o pescoço contorcido à morgada da portaria.

" O senhor doutor anda muito ocupado" ouve-se retorquir dissuasora.

“Só se for para o fim do mês que vem”.

"Veja lá o que pode fazer", solicita, novamente, a idosa, com as mãos dispostas em apelo.

As pessoas só-para-mostrar-exames agitam-se e os reis magos com as caixas-Casa-Ermelinda-para-trocar-por-disponibilidade, também.

Os meus olhos estão fixos nas caixas-Casa-Ermelinda-para-trocar-por-disponibilidade, pronto para subornar atenções. Começo a pôr em causa o dia de quarenta e oito horas do senhor doutor e a desejar que tenha vinte e quatro como o meu.

"O senhor doutor vai demorar?", questiono.

"O senhor doutor foi almoçar.", responde a recepcionista incrédula, por uma manhã perdida não ter sido suficiente para eu perceber que o tempo do doutor é diferente do dos doentes.

"Almoçar?", pergunto céptico, questionando, novamente, para verificar se ouvi bem. Percebendo ou supondo, pelo espanto da recepcionista, que estou cinco horas adiantado em relação ao "horário médico".

"Não quer que ela não coma, não é!", responde ela percebendo a minha desilusão. Provavelmente, com as contas da conversão do "tempo normal para o comum dos cidadãos" para  "horário médico" e concluindo que, contas feitas, afinal, o doutor está praticamente em cima da hora.

  Calo-me. Arrependido de ter perguntado. Sem querer ser responsável pela sua debilidade. Esperançoso que o almoço o liberte da fraqueza e lhe dê inspiração médica suplementar, para não errar diagnósticos, libertando os enfermos das dentadas de rafeiros microbianos que andam por todo o lado e estrafegam o que lhe aparece pela frente com saúde. 

  Observo a aia, remexendo a agenda, e espero um milagre: não ter que voltar outro dia. E, sem hesitar, olho primeiro para os reis magos (Baltazar, analisando-me desconfiado) e levanto-me, passando-lhes à frente.                                                                                                                

  Ultrapasso Baltazar pela direita e Melchior pela esquerda. Gaspar há muito que ficou para trás. Perco, automaticamente, o lugar onde estava sentado para a marcação das dezassete. Pisco o olho à morgada da portaria que pára, momentaneamente, de escrever um email e entrego-lhe, discretamente, uma caixa da Casa Ermelinda reserva que tinha no carro e que vem comigo sempre que vou ao médico. A marcação das duas e meia é minha.  

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publicado por Carlos M. J. Alves às 07:50

III Portugueses do it better

Sábado, 09.06.12

[Lista para reforço da auto-estima, antes do jogo contra os alemães que, por questões de modéstia é reduzida.]

 

 

porque em algumas circunstâncias mais vale um português explícito do que um inglês pudico

além de que um português, é imprevisível: joga ao ataque, mesmo quando devia permanecer na defesa

porque os italianos andam enganados e a viver de créditos alheios

os espanhóis é mais touradas

os franceses ainda não ultrapassaram o trauma Sarkozy

os portugueses são inconscientes

aventureiros

porque ser desenrascado acaba por compensar

as saudades são tramadas

a tradição ainda é o que era

contra factos não há argumentos

cada um é para o que nasce

um povo que com uma caravela exígua alcança qualquer parte do globo dá garantias

se queremos alguma coisa bem feita é melhor sermos nós a fazê-la

a experiência é madre todas as cousas

os portugueses conseguem, facilmente, pôr maus resultados em perspectiva

ambicionando laranjas doces são especialistas em fazer limonadas refrescantes de limões ácidos

acham-se melhores do que, realmente, são

e a arrogância tem o seu quê de afrodisíaco

em cada português um special one

os portugueses trabalham bem sobre pressão

estão habituados a desbravar locais onde nenhum homem esteve antes

ficam altamente motivados quando as coisas lhes interessam

adaptam-se, rapidamente, a situações adversas

os portugueses sempre consideraram que tudo o que vem à rede é peixe

podem nem sempre ser meigos, mas vão ao que interessa

tudo aquilo a que se propõem fazem bem

os alemães têm mais com que se preocupar

somos conhecidos por não deixar nada a meio

não poderia ser de outra maneira

 

Quem conseguir que prove o contrário!

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publicado por Carlos M. J. Alves às 10:00

III Fazer-se à vida é preciso

Quinta-feira, 07.06.12

Em qualquer situação problemática envolvendo uma participação multinacional, eu aposto no português. E não é só porque tenho interesses manifestos. Confirmados. Privilégios de admissão inerentes ao nascimento. Ou porque sou parte interessada e envolvida. Até pode ser que os narradores quando participantes não possam opinar. Ter voto na matéria. Ingerir. Meter colherada, mas… sou português.

   Sim o português tem defeitos. Sim, está longe da perfeição. Mas o português é desenrascado. Não é temeroso. Adapta-se.

Se há cidadão que consiga vencer a crise é o português. Olhando-a nos olhos e, em atitude Taxi Driver perguntando-lhe:

   - Are you talking to me?

   Não quero, abusivamente, repetir-me, mas o português é desenrascado. Desembaraçado. Em apuro, desentala-se. Sem pânicos. É uma mistura original entre um Charlie Parker improvisando e um MacGyver inventivo.

Um tuning genético secular e com provas dadas. Mais-valias evidentes.

   O português não desiste. Sofre, mas com as tripas na mão avança em silêncio, determinado, para a meta. Vai à luta. Faz-se à vida. E é esse, precisamente, o ponto. O fazer-se à vida.

   Nesta época de crise e de necessidade premente de empreendedorismo percebemos, e oportunidades não nos faltaram antes, que a vida tem o seu quê de merecimento. De milagre, dizem alguns. Não aparece constituída definitivamente. De antemão. Faz-se. Fazendo-se. E nisso o português é especialista. A nossa sorte perante a crise é sermos portugueses. Repetindo-lhe, ameaçadores:

   - Are you talking to me?

 Uma experiência ancestral em fazermo-nos à vida está aí pronta para ser usada.

   Fazermo-nos à vida é, em todo o caso fazê-la a ela. É impossível virar-lhe costas.

Novos, queremos mudá-la de alto a baixo. Pintá-la com cores ousadas, mesmo que discutíveis. Acrescentar-lhe assoalhadas. Mudar-lhe a localização.

Com o tempo resignamo-nos. E, a maioria, acaba temerosa, temendo o despejo iminente, ansiando pela habitação de custos controlados. Entregam-se as trinchas e os pincéis e a preocupação, exclusiva, são as humidades. 

   Fazer-se à vida tem o seu quê de objectivos (mínimos?). De quem se fica não reza a história. E isso é intimidante. É um fazer que se exige. Uma disponibilidade que se requisita. Impossibilita o “agora não posso”. Diz não ao “tenho mais que fazer”. É um estar sempre a postos para se pôr ao caminho. Continuamente na pole position.

   O fazer-se à vida é inimigo mortal do dolce far niente. Antipatiza com a siesta. Acha um desperdício a preguiça.

Não perde tempo a limpar armas, porque está continuamente em guerra. Springsteen, cantando Born to run.

   É por isso natural que alguns optem por uma atitude displicente. Na expectativa. À coca. Na retranca. Sem pachorra. A face criticável do ser português.

   Alguém que não se faz à vida é alguém que sai para comprar cigarros sem intenção de voltar. Que pede time-out. Exige a cessação de todas as funções, para um vou ali e já venho. Deambula por um Lost weekend. Arma-se em John Lennon, deixando Yoko Ono para trás para, sim adivinharam, se fazer à vida.

   Em suma, de uma maneira ou de outra todos nos fazemos à vida. E isso é ir à procura. Decidido a encontrar. Convencido. Sair do intervalo e fazer-se a ela. Arrependido do tempo perdido. Motivado para a reconquistar, como um castelo tomado aos mouros. Saindo do meio gás. É a própria vida que nos obriga a isso. Instigando-nos, quando nos falta a iniciativa. «O que esperas?», parece insinuar.

E nós numa atitude resignada de “Vida a quanto nos obrigas”, avançamos por ela. Num palmo a palmo negociado, aos solavancos ou com sofreguidão. Impacientes. Mesmo nas coisas simples. Abespinhados pela perda de oportunidades. Pelas coisas importantes. E pelas elementares. Por o abatanado ter passado à frente da nossa bica, pela chávena escaldada ou cafés pingados terem sido prioritários.

   Fazer-se à vida é uma inevitabilidade. Até porque não se pode perpetuamente adiá-la. Não há vitórias antecipadas. Nem resultados combinados. Tempo à justa e minutos contados é com o que nos podemos valer.

Até ao dia em que o nosso tempo se acaba e: vamos à vida. Como qualquer outro. Apesar de sermos portugueses. Fazendo-se à vida.

   - Are you talking to me?

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publicado por Carlos M. J. Alves às 10:08





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